Retalhos de uma vida - Livro do autor do blog

http://www.bookess.com/read/7054-livro-retalhos-de-uma-vida-/ ISBN - 978-85-8045-076-7 Definir um livro pela resenha é um fato que só é possível quando o livro realmente apresenta um conteúdo impar, instigante, sensível, inteligente, técnico e ao mesmo tempo de fácil entendimento....e Retalhos de uma vida, sem sombra de dúvidas é um livro assim. Parabens, o livro está sendo um sucesso. Ricardo Ribeiro - psicanalista

segunda-feira, 31 de maio de 2010

O discurso do contra gozo

Tantas vezes dou por mim a pensar, de que vale tantos anos de estudo em psicologia ou em psicanálise, para depois abrir as páginas de um livro, de um jornal ou de uma revista, e ver reproduzido o discurso, que qualquer pessoa comum, seja letrada ou não, também verbaliza.
O que de fato tais disciplinas deram a todos aqueles que se dedicaram ao seu estudo ?
É aceite como verdadeiro o fato do indivíduo escolher psicologia ou psicanálise, cuja primeira finalidade é a procura da sua própria cura, ou pelo menos, a tentativa de refletir acerca da complexidade da mente humana.
O que cada um descobriu não sei, mas a maioria tem tanta certeza do seu saber, que ao falar e escrever, nem se apercebe que repetem as mesmas coisas, que o vulgo homem de família que nunca estudou.
A proposta parece ser sempre a mesma, a negação do gozo, que para uns vale a perda de tempo frente á TV a ver o Big brother, o que para outros é pura alienação.
Esta conversa a podemos observar á mesa do café entre amigos, ou simplesmente conhecidos, mas também a podemos visualizar nos escritos e na verbalização de gente, que é comprometida com o mais saber.
Se após tantos anos de estudo, o que resta é a definição do bem e do mal, devo considerar que estamos a lidar com o mito da razão, ou com o mito da verdade que essas disciplinas, possam contribuir para que o ser humano possa ser um pouco mais feliz.
Vire e mexe, estamos mergulhados nos clássicos – Platão, Aristóteles, Sócrates, voltando ás origens da filosofia, desejando aprender ou descobrir alguma coisa, como se existisse uma falta, que sentimos no nosso interior, mas não sabemos definir.
Vire e mexe, estamos ás voltas com Freud e Lacan, extraindo algumas frases, que se tornaram célebres.
Por mais voltas que possamos dar, parece que existe o irresistível retorno ao princípio.
Se descobrir o princípio da vida é coisa para Deuses ou profetas, os princípios a partir dos quais Platão ou Freud construíram as suas teorias filosóficas e psicanalíticas, encontram-se escritas, o que não deveria suscitar dúvidas.
Como diz um amigo meu, tudo fica por conta da interpretação.
Ponto final está explicado, qualquer que seja a interpretação ela é válida.
Então, para quê estudar anos a fio todos esses princípios filosóficos e psicanalíticos ?
É a pergunta que faço a mim mesmo.
Se não descobrimos nesses homens algo importante que nos sirva para transformar a maneira como se formam e educam os nossos filhos, para que servirá o estudo ?
Mas se não a encontrarmos, apenas estamos a alimentar o que está definido como padrão da sociedade, e para isso não seria necessário perder tantos anos da nossa vida a estudar.
Bem vistas as coisas, nos fizeram acreditar na beleza de disciplinas, como transformadoras, quando no fundo parecem servir para sustentar uma certa ordem, que não desejamos perder.
É obvio que recuso pensar dessa maneira.
Mas também é verdade, que a minha tarefa não parece ser nada fácil.
Quando existe algum gozo, vem logo o " mestre " e afirma que aquilo não pode ser considerado como tal, ou seja, só posso gozar se der gozo ao outro.
Mas ninguém pergunta, qual o gozo do outro, quando me vê gozar como ele goza.
Para ele, gozar o seu gozo, é sinal de afeto e identificação.
Mas como não gozar como ele goza, pode ser entendido como afetação, quando na realidade não o estou a afetar ?
Simplesmente o incómodo de perceber em mim uma outra forma de gozar, transmite-lhe a sensação de um certo mal estar.
Que sensação estranha essa, que o ser humano sente o incomodo, por algo que na realidade não o pode incomodar ?
Incomodado com minhas calças rosa, o meu penteado punk, a gravata colorida, a minha forma de andar, o homem sente-se agredido e reage, como se fosse objeto de sua finalidade.
O que ele deseja de mim, sem que eu saiba ?
Não sei.
Tal atitude não constitui qualquer aberração, apenas eu sou a perfeita aberração humana, porque não me apresento tal como ele desejaria.
O conflito começa aqui. Quem manda em quem ?
Porque muitos de nós não podemos estar como desejamos, porque outros sentem que estamos de uma forma que eles não conseguem entender.
Não restam dúvidas, tais personagens só se entendem a si mesmo, e exigem que todos os outros o entendam.
Não se trata somente de identificação de sentimentos, a não ser em última instância, como forma de procurar o equilíbrio entre forças estabelecidas no terreno, os chamados grupos inseridos na sociedade.
Trata-se antes de averiguar o que leva o ser humano a sentir essas forças com tamanha intensidade, que pretende que todos os outros sigam os seus exemplos.
Não se trata de restringir o gozo, mas antes gozar, alimentando-se a si mesmo, sem desrespeitar e desconsiderar o outro, que tem uma forma diferenciada de gozar.
A falta de equilíbrio emocional estabelece-se, não porque as forças em presença sejam mais ou menos numerosas, mas sim porque tal equilíbrio foi promovido na infância, através de uma formação intolerante, prepotente e repressiva, que uma vez colocado o indivíduo perante uma realidade exterior diferenciada, provoca nele a instabilidade.
Não é o aqui e agora que temos de resolver, porque só a guerra consegue resolver a contenda, que não os conflitos, dado que eles tendem a permanecer, mas empregar as nossas energias e o dinheiro dos impostos na formação familiar, como condição fundamental para que ao fim de duas décadas possamos sentir os efeitos.
O resto é paliativo, e a luta só alimenta aquilo que desejamos erradicar.
A diferença do discurso que tem em conta os princípios da psicanálise, mesmo erguendo a bandeira de Freud, é que o gozo é para ser vivenciado, e como teórico, deve afirmar como e em que condições o sujeito o pode fazer, em que a sua negação, é entendido como bloqueio, apresentando como consequência o transtorno psíquico.
O limite o vamos encontrar no outro, e quando os pais e os chefes de Estado não têm limites, decerto os filhos não o terão.
Parece que a reclamação já foi transferida do homem da rua para os terapeutas, o que quanto a mim não é um sinal de vitalidade, mas antes de decadência, dado que emerge uma certa impotência, com algum histerismo á mistura, que denota uma certa instabilidade emocional, a quem se exige tranquilidade e sobretudo conhecimento.
Toda a teoria Freudiana assenta na complexidade do romance familiar e na teoria do recalque como pedra angular da ciência em psicanálise, reveladora de uma pulsão que tende a emergir do corpo de forma involuntária, cuja energia livre ou ligada determina o ato instintivo ou circunstancial.
O mesmo será afirmar que toda energia livre tende a ligar-se a um desejo pulsional. Se este não foi previamente estabelecido pela mente, como dirigido objetivamente, tendo em conta uma série de outros elementos que possam estar associados, tende a ligar-se circunstancialmente de forma disfarçada ou oculta, mas sempre intempestiva.
A proibição estabelece um bloqueio, e parece que até os teóricos não desejam entender o que foi estabelecido como fundamento da teoria Freudiana.
Por isso não é através da afirmação ou negação, que Freud descreve como ambivalência emocional, que o ser humano pode revelar atitudes diferenciadas das que podemos observar atualmente, mas apontando outros caminhos para que tal seja possível.
Apontar os fatos e deduzir resultados, é coisa que não carece de estudo, basta observar, e não me parece que seja próprio de quem estuda e investiga as coisas da mente, que deve pautar-se por princípios biológicos e psíquicos, que se entrelaçam a cada momento, a que o teórico deve dar uma resposta cabal e responsável.
Por outras palavras, o psicanalista não foi formado nem estuda, para discutir sociologia, muito embora a tenha em atenção, nem o momento político, mas para tecer comentários acerca dos vários caminhos possíveis que podemos trilhar para inverter a atual situação caótica de violência e de confrontação ideológica.
É essa ordem pré estabelecida nos princípios da genética, que alguns teóricos pretendem ignorar, e que Platão a seu tempo recordou, como fundamental, para que o princípio de racionalidade possa acompanhar o corpo que sente, revelador do sentido de vida, que confere o sentido ao ser humano de estar feliz.
O que se estabeleceu na sociedade foi a inversão, não de valores, mas de formas que contrariam a própria organização interior de um ser biológico, que não tem condição alguma de estar feliz enquanto permanecerem.
Dos valores todos nós temos conhecimento, o que o ser humano parece que tem dificuldade é em conseguir alinhar esses valores com a sua conduta diária.
Todos sabem que não devem roubar, violar e matar, mas para conseguir realizar seus objetivos não hesitam em transgredir.
Esta é a realidade que a maioria não pretende, ou não consegue enxergar.
O psicanalista não julga, apenas leva o sujeito a entender porque apresenta determinadas atitudes, que não outras que o possam satisfazer.
Não existe uma forma, mas sim diversas que possam satisfazer e realizar os desejos do ser humano.
No fim de contas, temos uma sociedade de insatisfeitos, constantemente á procura de nada, porque esvaziados não podem encontrar o que os possa satisfazer, dado que não se identifica com coisa alguma, que o possa sustentar interiormente.
Esteticamente nos identificamos com determinado objeto, mas quando na sua posse, percebemos que ele na realidade não nos consegue satisfazer interiormente.
Todo o saber acerca de formas exteriores, parece que vira ignorância quando o ser humano é levado a lidar com formas interiores.
Dito deste modo, embora por outras palavras, não estarei a acrescentar mais nada ao que qualquer pessoa sabe e sente, porém, se a elas não lhes é pedido aquilo que não podem, ou não conseguem dar, o mesmo não se passa com todos aqueles que perderam, ou ganharam, anos da sua vida a estudar biologia e ciências humanas.
Não basta o discurso do contra gozo, muito embora ganhe o aplauso da maioria das pessoas, é apenas a realidade que se revela a nossos olhos, que tanto faz estarmos ou não de acordo, não a conseguimos alterar, simplesmente porque os acontecimentos, a que chamamos de fenómenos,não esperam pela aprovação.

Observar a realidade e a julgar, não tem poder algum para a alterar.
Formar e ensinar é a única forma de alterar uma realidade anterior.

Assistimos ao culto de que o gozo é prejudicial.

Somos uma sociedade privada de gozo, por isso transgressora e violenta, que muitos confundem com uma certa forma de gozar, quando parece ser apenas uma resposta / reação contra a proibição do gozo.
O gozo assim sentido está contra a própria natureza das coisas, em que o amor foi transformado em ódio, em que a satisfação é apenas o sentimento de revolta e o grito de liberdade contra o opressor.
A satisfação nessas condições, ou seja, o gozo, emerge como contrapartida á impossibilidade de amar, que na sua forma, oculta a vingança de quem se sente afetado.
Uma vez o ser humano afetado na alma, os sentimentos emergentes tendem a formar uma cadeia, ligando-se a alguns outros, em que pelo o caminho as atitudes que provocaram o sentimento original ficaram perdidas, mas cujo sentido permanece no corpo, como referência para o indivíduo.
O desenvolvimento físico e psíquico provoca a complexidade, que corresponde no fundo a uma síntese de todas as vivências anteriores, que por isso mesmo só podemos observar no indivíduo a resposta através dos seus atos.
O ato que possamos observar, é a vitrine que nos mostra a síntese derivada de uma relação e interligação de atos cometidos anteriormente.
Por outro lado a existência de qualquer ser vivo depende do gozo, ou seja, da realização dos seus desejos, sem os quais tende a morrer.
Se assim entendermos, será fácil perceber que sem o princípio de satisfação, como forma de realização das necessidades e desejos, que determina o gozo, o ser humano sente em si a impossibilidade de viver, e como tal reage, embora de forma inconsciente, cuja finalidade é a preservação da sua própria vida.
Desse modo, o que podemos entender por gozo, é a realização de um desejo, muito embora possa contrariar o desejo de um outro, e provocar-lhe danos físicos ou psíquicos, como forma de vingar a sua própria interioridade.
Em conformidade devemos perceber que um ato cometido no presente, é fruto de um passado, que não sabemos qual foi, e que está ligado a um sentimento original que também desconhecemos, provocado por uma tomada de sentido no corpo do indivíduo.
Daqui nos é dado a deduzir que a amnésia, pode relegar para o fundo do baú imagens de um determinado ato cometido no passado, porque lembrar provoca dor e sofrimento, mas não consegue anular o sentido que foi impresso no corpo provocado por ele.

Não será difícil admitir que a verbalização corresponda a uma forma consciente, que por via da amnésia fica desobrigada de verbalizar em função de um passado, e que por isso mostra uma face contrária ao sentir do próprio corpo.

O ditado popular é esclarecedor do que acabo de afirmar " Olha para o que eu digo, não olhes para que eu faço ".
Neste caso não se trata de ambivalência emocional, mas antes de uma descoordenação, entre uma forma de motricidade e uma forma desejada e pensada, ou seja, psíquica.
Reparemos então, que a coordenação primária, genética, só mantém relação com o movimento do próprio corpo, e o que nos leva a considerar a descoordenação dos movimentos, é quando percebemos que o indivíduo não consegue realizar de forma satisfatória os movimentos dirigidos a objetos exteriores.
Este é o princípio geral, através do qual os corpos se regem, funcionando como lei.
Por isso, admitimos como verdadeiro, que só existindo o alinhamento de todas as formas posteriores com o seu princípio original, os movimentos podem surgir coordenados.
A ausência de formas coordenadas, nos garante a existência de bloqueios, que foram causadores da ruptura, provocando a descontinuidade do movimento.

Significa que o desalinho, que designamos por falta de coordenação, é que conduz o ser humano ao distúrbio e a cometer atos que não estão de acordo com alguns conceitos desejados, decorrentes de um processo de formação e de / ou ensino.
Podemos então entender, que aquilo que percebemos desalinhado segundo uma determinada ordem, não se encontra á deriva, dado que está alinhado segundo uma outra ordem qualquer, pelo que na mente humana não existe o vazio, apenas pode estar esvaziada de conteúdo que possa conduzir o sujeito a uma nova ordem.
Não existe o vazio, porque tudo está organizado, segundo uma determinada ordem, no entanto o que ainda nos falta saber, é como a energia tende a gerir toda essa complexidade ideativa.
O gozo por isso encontra-se no movimento, no experimentar, mas quem leva a criança ao experimento são os pais, como facilitadores de um processo de formação e ensino, que tantas vezes de forma inconsciente, provocam o contrário do que na realidade desejam, em virtude das suas atitudes agressivas e violentas, proibitivas e destemperadas, a levando a tomar consciência de formas abusivas e autoritárias, que vão experimentar mais tarde.
Elas sentiram na carne, que só tiveram direito ao chocolate, depois de levarem porrada, de serem agredidas verbalmente, entre berros e ais de dor e sofrimento, pelo que mais tarde, na adolescência e em adulto quando os desejos afloram com alguma intensidade, e sofrem uma contrariedade, não hesitam em mostrar aquilo que conhecem, a violência.
Pensar que a verbalização pode (re) conduzir o indivíduo á via régia das virtudes, tem constituído o maior erro de analise de todos os teóricos e das pessoas em geral.
De outro modo não é compreensível, que toda a evolução tecnológica que desperta a relação entre as pessoas e o conhecimento, a verbalização e a intelectualidade, não consiga garantir essa recondução.
Continuar a insistir nessa via, arriscamo-nos a fabricar o histerismo coletivo e a psicose, que nos conduz inexoravelmente a formas idealistas e fanáticas, como de resto o mundo de tempos em tempos tão bem conhece, que só conduz a humanidade á sua própria destruição e miséria,
O psicanalista não estudou para verbalizar a afirmação ou a negação de uma realidade, mas antes para ser o instrumento de reflexão, através do qual o sujeito possa rever seus conceitos e princípios se o desejar, percebendo que outros caminhos o podem do mesmo modo conduzir a Roma, ou seja, ao gozo.

A teoria do não gozo, só conduz o homem á doença e á demência.

Aquele que não sabe lidar com o gozo, está descoordenado e desconectado, e é falho de movimentos quanto a essa matéria, mas como não consegue viver sem que ele se faça sentir no corpo, dado que a angústia não pode durar muito, porque pode virar melancolia e provocar a morte, ensaia um movimento descoordenado que lhe permita sentir a vida.
A proibição não gere uma impossibilidade eterna, apenas bloqueia o caminho, que o indivíduo tenta tornear de qualquer maneira, não tendo a noção das consequências, ou as suportando, porque não sabe, ou não consegue, como fazer de outro modo.

É no movimento que se encontra a verdadeira salvação do ser humano.

Mas também é através dele, que tantas vezes encontramos a própria morte.

Entre o estar e não estar,
existe o Ser.
Entre a vida e a morte
Indeciso não escolhe
Deixa-se morrer

Consideremos então que a indecisão, que nos garante a sensação de não escolher entre duas coisas distintas, é uma falsa questão, dado que de modo involuntário, o próprio corpo já traz impressa a sua decisão, o sentido da vida.
A indecisão provocada pela mente, é uma forma provocatória que o contraria, e que uma vez ganhando a dianteira determina o sentido de morte.
A morte será apenas a impossibilidade de ter vida, ou de viver, em síntese, o gozo que foi perdido e não conseguimos ( re ) encontrar.
É no constante ( re ) encontrar o gozo em nós mesmos, que nos faz viver.
A forma como desejamos ter gozo e gozar, é uma outra questão.

Se não existisse o horizonte, a sensação de finitude nos levaria á morte precoce.
Não fora o esforço necessário que promove o movimento infinitamente, teríamos a sensação que todas as coisas podiam ser alcançadas, tudo se tornaria finito, e depressa a morte nos bateria á porta.
É apenas o movimento que nos traz vivos e nos impulsiona a viver, a quietude nos transporta para o além e para a melancolia, que não é apenas aborrecimento ou desagrado, como o tédio que se apodera do sujeito, mas antes o aceitar a sua própria morte interior, como algo que o indivíduo considera perdido que não consegue ( re ) encontrar.
É o movimento que nos transporta no espaço, no qual nos localizamos, determinado por esses dois sentidos, da vida e de morte, cuja única referência possível é dada por outros objetos, que configuram uma imagem, que nos confere a sensação de estarmos restringidos a um espaço, quando ele é apenas uma parte do infinito.
Como dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo, todo o espaço disponível, ou seja, não ocupado por nenhum outro corpo, pode ser desejado, o que parece ser razoável, dado que fazemos parte dele, e somente nele nos podemos movimentar.
Repare o leitor, como um corpo pode viver, quando os espaços uma vez ocupados por outros, não apresenta condição alguma para serem ocupados, a não ser através da briga, quando ainda alguém lhe vem proibir de ocupar os espaços disponíveis ?
Como podemos entender a mensagem daqueles que afirmam que corpo, não é corpo que sente, que se manifesta e representa um sentido, como a essência da vida, que por isso deve ser menosprezado, em favor da exaltação do espírito ?
Que espírito será esse de que falam ?
De um espírito divino, que criou o homem com um corpo imperfeito ou defeituoso ?
Que divino podemos encontrar na imperfeição ?
Só a encontraremos na realidade, se desejarmos a pureza e a perfeição acima de todas as coisas, mesmo contrariando a própria criação divina ?.
Ultrapassamos as regras do bom senso e das leis de Deus, para nos posicionarmos para além dele, virando monstros, quando afinal simplesmente somos homens.
A resultante, é que não parece que exista a perfeição ou imperfeição, mas apenas corpos com suas características próprias, que por mais voltas que possamos dar, não conseguimos anular umas em favor de outras.
A perfeição parece estar na aceitação das formas que é própria da sua natureza.

É entre esses dois sentidos, de vida e de morte, que existe a possibilidade de procurar um espaço para que o ser humano, assim como qualquer outro ser vivo, possa viver.

Viver, não é apenas estar vivo, mas criar condições para ser possível a continuidade da sua própria vida, a que designamos por preservação, que implica o mais saber para que tal seja possível.
O mais saber, não deve ser entendido apenas como forma intelectualizada, mas também quanto á maneira de manusear as coisas á sua volta para que o ser humano possa conseguir seus objetivos e realizar seus desejos.
Quantos intelectuais manipulam as palavras com mestria, e são ignorantes, cruéis e intolerantes, no que se refere ás relaçóes com outros seres humanos ?
Os sentidos e os sentimentos, não escolhem ignorantes e intelectuais, porque eles emergem num estágio precoce do desenvolvimento do ser humano, em que todos são semelhantes diante da sua própria natureza, em que a diferenciação posterior só tem lugar á entrada da puberdade.
Os momentos de diferenciação são rupturas provocadas por uma decisão, que o estar contra o outro, implica o sentido de morte de algo contido na interioridade alheia, que para ele funciona como seu sentido de vida.
Tratemos pois, de matar os nossos próprios fantasmas, porque se não o fizermos, eles se agigantam e tentam invadir a casa dos outros, tornando a nossa e a vida dos outros num inferno.
Quando julgamos estar bem com Deus, afinal estamos de mãos dadas com o diabo.
A proibição de extravasar nossas emoções, porque homem não chora, e mulher tem que ser pura e virgem, nos mata por dentro.
Sempre aprisionados nas grades de uma prisão, com nossos sentidos e sentimentos, porque existe alguém, que sempre nos julga como impuros e desprezíveis, nos traz na trela como qualquer cachorro, servindo-se apenas da força das palavras malignas.

A linguagem que serve á relação, em muitos casos serve para a destruir.

A linguagem é um produto humano, que serve não só a relação, mas também aos interesses mais altruístas ou mesquinhos, depende dos sentidos e dos sentimentos de quem a usa.
Assim,também ela deve ser entendida como elemento subjetivo.

Se através do emprego de uma palavra bem dita podemos aconchegar uma alma sofrida, ao proferir uma palavra maldita, podemos acabar com ela.
A alma sofredora pode deixar de sofrer nessas condições, o que ignoramos é o que pode acontecer posteriormente, porque não nos é dado a conhecer a impressão registada no corpo dessa alma.
A alma é o que resta de um corpo que sente e pensa, num mundo de afetos e desafetos, de onde tende a emergir um sentido.
Ela é a resultante de um sentido que resultou da complexidade comparativa de tantos outros, como síntese de um percurso evolutivo do próprio ser humano, entendido como individuo, que não tem capacidade de criar, mas apenas transformar o que se encontra á sua volta.
É por isso que a cada transformação a alma se renova.