Retalhos de uma vida - Livro do autor do blog

http://www.bookess.com/read/7054-livro-retalhos-de-uma-vida-/ ISBN - 978-85-8045-076-7 Definir um livro pela resenha é um fato que só é possível quando o livro realmente apresenta um conteúdo impar, instigante, sensível, inteligente, técnico e ao mesmo tempo de fácil entendimento....e Retalhos de uma vida, sem sombra de dúvidas é um livro assim. Parabens, o livro está sendo um sucesso. Ricardo Ribeiro - psicanalista

sábado, 22 de maio de 2010

Insónia

No silêncio da noite, emerge do escuro os pensamentos da morte anunciada, embora sem data marcada, tende a permanecer de forma bem vincada.
A tranquilidade do corpo e a alma atormentada, fabrica a insónia não desejada, porque algo queremos esquecer, que por lembrar nos agita e não nos deixa adormecer.
Doutor, eu sofro de insónias, diz a Margarida.
Receite um sedativo qualquer para que possa descansar em paz.
Na realidade ela não sofre de insónias, apenas é a consequência de um mau estar interior proveniente de pensamentos mais ou menos obsessivos que não a deixa adormecer, e para eles a receita médica não existe.
O sedativo que pretende é a morte artificial que deseja, como forma de a impedir de pensar.
A Margarida entrou numa espécie de labirinto em que anda sempre às voltas, com o remédio, a insónia e os pensamentos que não deseja, e não encontra qualquer saída.
Mas a coisa está equilibrada, tomo o remédio quando sinto que não consigo adormecer, e de seguida nem os pensamentos ficam para causar a tormenta.
Mais tarde confessa, que toma o remédio antes que os pensamentos tomem conta de si, deslocando a obsessão, que antes estava vinculada a determinados pensamentos e a preocupação voltou-se para o remédio que a salva da tempestade psíquica.
Mas que é feito dos pensamentos da Margarida ?
Desapareceram como por encanto ?
Ou simplesmente permanecem iguais, intocáveis, embora ocultos ?
Eles estão aquietados, mas continuam à espreita atrás de uma porta qualquer, à espera que ela se abra para fazer sentir à Margarida a sua presença.
O pensamento reclama e em voz baixa deixa escapar um lamento :
- Como a Margarida pode ser tão ingrata ao desejar-me abandonar, quando faço parte do seu corpo ?
Triste e pensando estar abandonado, deixa-se ficar a um canto recolhido na esperança que a Margarida note a sua presença e o chame de volta ao seu convívio.
Está aquietado mas não conseguiu sair do corpo, porque está alojado na alma.
Mas como mandar embora o malvado que tantas noites de tormenta tem causado ?
A Margarida parece não saber por isso interroga-se.
Deixa passar a ideia de uma impossibilidade em relação ao seu próprio pensamento, em que sente que é dominada por ele e não consegue uma autonomia que lhe permita mandar pela porta fora aquilo que a atormenta.
Eu não consigo deixar de pensar, afirma ela.
O que ela não consegue é pensar de forma diferente, porque deixar de pensar só mesmo um ataque de amnésia ou o remédio.
Mas como pensar diferente daquilo que penso ?
Pensando.
Mas se eu não consigo pensar de modo diferente, e por isso tomo o remédio, como um dia o poderei conseguir ?
Pensando.
Mas o quê ?
Acerca de coisa diferentes.
Mas isso é o que não consigo fazer, afirma ela.

A Margarida tem razão e não vale a pena insistir que ela tem que pensar em coisas diferentes, porque demonstra uma incapacidade própria em o fazer, e está aprisionada a uma forma de pensar que bloqueia a sua própria liberdade em pensar outra coisa qualquer.
Curioso, o remédio prende o pensamento e o coloca na cadeia, e quando liberto, a instabilidade emocional toma conta da Margarida.
Existe, muito embora inconsciente uma forma proibitiva e punitiva que emerge da forma de pensar da Margarida, em que tenta eliminar a insónia com recurso a um remédio, que é o instrumento agressor e punitivo, que vai reprimir os pensamentos demoníacos contidos em si.
O doutor parece ser visto como o pai salvador que a livra de tais pensamentos.

Obrigado senhor doutor por livrar-me do mal, Amén, bem haja.

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