Retalhos de uma vida - Livro do autor do blog

http://www.bookess.com/read/7054-livro-retalhos-de-uma-vida-/ ISBN - 978-85-8045-076-7 Definir um livro pela resenha é um fato que só é possível quando o livro realmente apresenta um conteúdo impar, instigante, sensível, inteligente, técnico e ao mesmo tempo de fácil entendimento....e Retalhos de uma vida, sem sombra de dúvidas é um livro assim. Parabens, o livro está sendo um sucesso. Ricardo Ribeiro - psicanalista

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O mito filosófico da dor

Ao longo dos séculos foi criada a sensação nos seres humanos, que tem que existir dor para o mundo ser melhor, ou, que através da dor o indivíduo aprende a ser mais dócil, ou pelo menos temperado nas suas emoções.
A temperança parece estar na dor, pelo que sem dor, não existe felicidade, nem amor, O sacrifício em prol de qualquer coisa, que alguém disse ser importante, para alcançar a felicidade, é a pedra de toque, senão de toda a filosofia de vida, pelo menos de grande parte dela.
Mas curioso é constatar que a dor, pressupõe a existência da ofensa, da agressão, seja verbal ou física, da perda do sentido de vida, emergindo o sentido de morte, como prenúncio de uma morte física anunciada.
A partir da inevitabilidade da morte física, alguns senhores construíram fantasmas para nos atormentar a vida, nos acenando constantemente com o espectro da morte.
Como não pensar nela ?
Se a morte é o castigo, a punição, para quem está vivo, e deseja viver, o diabo e os fantasmas, são a morte virtual, que tende a tomar o corpo do indivíduo.
A dor que é expressa no corpo, apresenta a particularidade de prevenir o indivíduo de que algo está a ofender o corpo, pelo que deve tomar as devidas precauções, para que possa ser levado a cabo um processo de evitação.
Mas como evitar uma perda ?
Como evitar ser agredido ?
Se falarmos na relação do indivíduo com o mundo e os objetos exteriores, ele sabe muito bem como evitar a dor, mesmo correndo alguns riscos.
Mas como evitar a dor, enquanto criança, que se sujeita a um poder superior, seja mãe, ou pai, que tenta infligir a dor ao seu rebento, cuja finalidade é quebrar a sua energia, o vergando á sua própria vontade de poder ?
À criança não restam alternativas. O mesmo já não poderemos dizer do adolescente, ou do adulto.

Desse modo repressivo, nos é dado a perceber que a felicidade da criança só é conseguida quando desiste da idéia, a favor de uma alheia, a dos pais.

Como o indivíduo foge da dor, como o diabo foge da cruz, aprendemos desse modo a fazer a vontade do outro, deixando para trás todos os nossos desejos.
Você agora está feliz, sem dor, e os momentos de felicidade regressam aos poucos, muito embora seja um dependente e submisso, que para o caso não tem importância alguma, o que importa mesmo é a conversão, sujeitando o outro á nossa vontade.

A dor como tentativa de sublimação não existe.

Dor é apenas dor, física ou psíquica, sem nenhum outro significado, indicador de um certo mal estar, como algo estranho sentido no corpo, que por ele é expresso.
Se o ser humano aprender a amar, através da dor, o que será desse amor, e de onde ele provém, senão de um ressentimento gerado pelo o mal estar, ou pelo ódio, que na impossibilidade de viver sem amor, o deseja de qualquer forma.
Mas se nos recordarmos do objeto primevo que nos deu amor, a mãe e o pai, entendido como afeto, como sendo o mesmo que nos afetou na carne e na alma, somos adultos feitos crianças, que trazem dentro de si, o amor e ódio, que tende a transportar para as futuras relações.
Constatamos então a dificuldade de fragmentar, o que se tornou inteiro pela via da formação infantil, em que na mesma pessoa coexiste o amor e o ódio.

Os pais fragmentaram o que estaria inteiro, desdobrando a organização psíquica, em que de um lado estão as coisas boas e desejadas, e do outro, as ruins não desejadas.
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Como os fragmentos, restos de um corpo inteiro, não podem ficar separados, a não ser no imaginário, são colados, associados, formando um corpo diferenciado do primeiro, mas que se tornou inteiro de novo.
Assim, o corpo é a reprodução, não só da genética e da biologia, mas também a reprodução de uma formação infantil, que é incorporada constituindo-se em lei.
Desse modo, o ser humano é constituído pelas coisas boas e ruins, quando se pretendia ser apenas invadido pelas coisas boas, que fariam dele um ser humano exemplar.

O que fazer com a dor ?
È o que ocorre de seguida.
Aí, cada um apresenta uma forma particular de sentir e entender as coisas, que leva o sujeito a ter determinadas atitudes, que podem ser semelhantes, ou até mesmo opostas.
Nesta altura sobe a palco a dialética, tentando justificar o ato, mediante os pressupostos da vingança, da retaliação tantas vezes, em que se evidencia o poder reativo, provocado por uma infância infantil onde teve lugar a agressão física ou verbal.

Mas o que é a dor ?

Não será apenas um sinal do corpo, proveniente de uma agressão física ou mental ?
Quando a sociedade e os filósofos não conseguem separar a morte física dos acontecimentos psíquicos, nos estão a dizer, que estamos mortos, muito embora vivendo.

Quando nos dizem que uns envelhecem bem, e que outros, o envelhecer é para eles um tormento, do que estão a falar ?
Provavelmente de uma morte anunciada, de que não sabemos a sua origem, em que os aspectos circunstanciais são desprezados, a favor de uma dialética do sentido de vida e morte, que não tem tradução objetiva.

Nos querem fazer crer que objetivamente aquilo que nos atormenta é a morte e a finitude, e que por isso estamos condenados, entenda-se condicionados, a pensar nela o tempo todo, em que o sentido de morte supera em muito o sentido de vida.

Será mesmo assim ?
De tal forma de pensar, nasce a convicção que o ser humano é a única espécie ao cimo da terra, que sabe que vai morrer um dia, retirando aos seres vivos a possibilidade de fazer tal dedução, perante a visibilidade da morte de seus companheiros.
Na prática podemos observar mediante alguns gestos animais, que isso não é verdade, perante o horror da possibilidade da morte.
Para que serviria então a agressividade animal, senão para fugir da morte anunciada ?.

Talvez seja a partir dessa dor, que lhe é garantida pela visão prometida da morte física, e da perda do objeto de afeto, que provoca no ser humano o cepticismo de uma vida sem sentido, porque refugiado debaixo daquele que lhe promete a salvação.
Já não é a dor que faz sentido, mas o objeto que a provoca, que tem de ser adorado, para deixar de sofrer a agressão física ou mental.
Assim era nos tempos primitivos.
E assim continua nos tempos de hoje.
Como se não fosse possível um parto sem dor, daí nascendo um degenerado e malfeitor.

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