Retalhos de uma vida - Livro do autor do blog

http://www.bookess.com/read/7054-livro-retalhos-de-uma-vida-/ ISBN - 978-85-8045-076-7 Definir um livro pela resenha é um fato que só é possível quando o livro realmente apresenta um conteúdo impar, instigante, sensível, inteligente, técnico e ao mesmo tempo de fácil entendimento....e Retalhos de uma vida, sem sombra de dúvidas é um livro assim. Parabens, o livro está sendo um sucesso. Ricardo Ribeiro - psicanalista

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Don Giovanni - José Saramago

¨A minha idéia é que Don Giovanni, ao contrário do que sempre se diz, não é um sedutor, mas antes um permanente seduzido.
A simples presença de uma mulher perturba-o ¨.

É certo que Don Giovanni é um fraco com as mulheres, mas ¨ compensa-o ¨ bem com a sua força ética no momento em que é tentado pela facilidade hipócrita do perdão.
Don Giovanni, o sujeito imoral por excelência, é um homem fiel á sua própria responsabilidade ética.
Fiel á sua posição fundamental nos confrontos com todas as ¨ verdades ¨ constituidas.
A única maneira de ¨ vencer ¨ Don Giovanni é negar, contra toda a verdade, as suas vitórias amorosas.
Don Giovanni é um mentiroso, não seduziu uma única mulher.
Este texto o podemos encontrar a pág. 95 – do seu livro – Don Giovanni ou o dissoluto absolvido.

Neste pequeno trecho do seu livro, podemos retirar material suficiente para uma análise mais profunda, daquilo que podemos entender por ser humano, seu pensamento e organização psíquica, que cada um garante aos mais diversos assuntos.
Não existe o homem puro, dado tratar-se de uma impossibilidade, como a perfeição que pode ser perseguida, mas nunca alcançada.
Existe de fato um homem mesclado, em que são evidenciadas contradições e convicções, ancoradas em desafetos e afetos.
É esse modo afetivo em permanência, que Saramago trata como necessidade assumida por Don Giovanni, que de sedutor passa a seduzido, como se fosse um encanto, que na realidade percebemos tratar-se de uma obsessão psíquica.
A sua imoralidade face á sociedade de então, proveniente de suas relações afetuosas e sexuais com muitas mulheres, não o impede de recusar o perdão que lhe é proposto, mantendo-se fiel aos seus desejos mais íntimos, arcando com essa responsabilidade ¨ ética ¨.
A moral e imoralidade passeiam juntas na interioridade do ser humano.
Ou, apenas será imoral, porque a sociedade assim o determina ?
A última parte deste texto, é para mim fundamental, dado que é a tentativa de derrubar toda a estrutura de organização psíquica de Don Giovanni, roubando-lhe as vitórias amorosas.
Saramago percebe, que Don Giovanni passaria de forte a fraco, de um ser que teve vida, para um homem sem vida, em que a obsessão não o deixaria viver de outra maneira, ficando desse modo esvaziado de uma forma de sentir as coisas e o mundo, que assim sendo não faria qualquer sentido.
Don Giovanni não poderia negar a sua própria vida, nem as mulheres que a garantiram.
Podemos perceber como é relevante para o ser humano os objetos, as suas conquistas, que uma vez perdidos, ou colocados em causa, é gerador de conflitos internos exacerbados.
A recusa do perdão, será pois a recusa de um sentimento de culpa, face ao afeto, e á relação sexual, que, no caso de Don Giovanni, não é sentida como imoral, mas percebida como coisa normal da vida.
O que parece que Don Giovanni nos quer dizer, é que aquilo que é próprio da natureza, não pode ser motivo de culpa, por conseguinte não merece o perdão.
Nestas condições a ausência de um sentimento de culpa não poderá ser entendido como algo que possa conduzir o ser humano ao transtorno psíquico, e como tal não poderá servir de baliza para determinar seja o que for, sem que possa ser entendido num determinado contexto.
O ser convicto, mesmo a prepotência e a intolerância, nem sequer a meu ver, podem ser entendidas desse modo, mas apenas condições incorporadas, que podem ser frustradas devido ás circunstâncias, emergindo de uma relação a possibilidade do ser humano ficar transtornado.
Consideremos então, que tudo quanto é próprio, e dado ao ser humano não funciona como verdade absoluta, mas apenas como possibilidade, que outras formas relacionadas, pode provocar a instabilidade emocional no sujeito.
É um cenário provável, não a todo o momento, mas em momentos que são determinados pelas circunstâncias, em que a capacidade de adaptação a novos cenários, é o ponto vital da mutação, que só parece apresentar uma finalidade, a satisfação, o bem estar interior.
A culpa nestes casos funciona como travão á mutação, provocando um estado de estagnação, posicionando o sujeito no conflito, colocando em dúvida os seus atos, ficando fixado nas imagens passadas julgadas impróprias.

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