Retalhos de uma vida - Livro do autor do blog

http://www.bookess.com/read/7054-livro-retalhos-de-uma-vida-/ ISBN - 978-85-8045-076-7 Definir um livro pela resenha é um fato que só é possível quando o livro realmente apresenta um conteúdo impar, instigante, sensível, inteligente, técnico e ao mesmo tempo de fácil entendimento....e Retalhos de uma vida, sem sombra de dúvidas é um livro assim. Parabens, o livro está sendo um sucesso. Ricardo Ribeiro - psicanalista

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Relato de um homossexual

O que descrevo a seguir é o relato fiel de um caso clínico de um homossexual.

Mulher fálica – Falo – Pénis - Representação do membro viril adorado pelos antigos como símbolo da fecundidade, da natureza., segundo o dicionário.

Numa conversa entre colegas, um deles afirma que é devida à mãe fálica, poderosa, que a homossexualidade no filho apresenta uma tendência a evidenciar-se, e não propriamente proveniente do romance familiar e do complexo de Èdipo.
A linguagem técnica encerra de forma natural o assunto, como explicação entendida como científica, mas que pode ser mal interpretada, porque outras perspectivas são possíveis, imagens associadas a uma ideia representada por um pénis, viril e ereto, como símbolo da fecundidade, e ao poder de criar.
Se essa figura materna poderosa e viril, representando o pénis, o Pai, for entendida como inversão do feminino, mostrando-se masculina, podemos entender que para sentir-se feminina deve ser o contrário de tudo isso, frágil, impotente e submissa.
Não creio que o emprego da linguagem, que se pretende que tenha um papel importante na tentativa de definição dos atos, e das diversas perspectivas com que se pode avaliar o mesmo assunto, possa ser empregue de modo superficial no campo das ciências humanas e nas teorias psicanalistas, e mais cuidado deveria merecer quando em público é transmitida uma opinião técnica.
Perguntei o que a colega entendia por mãe fálica e poderosa, o que convenhamos foi uma surpresa, porque essas coisas, que têm um nome, emprega-se na linguagem de forma corriqueira, porque simbólica, julgamos que o seu significado está bem definido, e que todos entendem o mesmo, quando na verdade pode não corresponder ao que cada um pensa acerca dele, porque o simbólico é o objeto, que se enxerga e tem um nome, mas aquilo que significa, qual a sua utilidade, já pertence á representação, o que o objeto representa para cada um, que nos retira da objetividade do nome da coisa, para a objetividade da representação.
Perante a pergunta, a pausa no discurso deu lugar ao silêncio, em que se percebeu a glote a deslizar na garganta, como a tentativa de trazer à consciência o assunto, na tentativa de satisfazer os meus desejos, mas dada a dificuldade em o fazer, porque de modo inconsciente emprega tais termos, proveniente de uma ideia já consumida pelo tempo, cuja forma construtiva não sabemos, e que ela própria apresenta alguma dificuldade em explicar.
Partindo da verdade do sujeito, que se constitui na sua realidade interna, a construção da linguagem faz-se a partir dessa ideia base, que se for derivada de um pensamento único, não poderá apresentar à posteriori outra perspectiva senão aquela proveniente dela própria.
A mãe fálica, representante da virilidade, do pénis, mesmo não o tendo na realidade, mas que gostaria de ter, tenta anular o Pai, promovendo a incorporação da figura paterna, que podemos entender como a aceitação da sua bissexualidade, de forma latente, mesmo que se note uma forma heterossexual assumida no social, mas não parece estar definida no aspecto psíquico.
Somos conduzidos por isso a uma perspectiva algo diferenciada sobre o assunto, que nos permite entender que as manifestações do corpo, podem ser provenientes de um modo natural de entender as coisas, de uma proibição social, que implica um determinado tipo de resposta, omitindo outras, que podemos considerar de inibições parciais, e de manifestações anestésicas, paralisias e amnésias que podemos considerar de amputações, como forma de inibição total.
A mãe fálica, poderosa, deve ser entendida no plano de um narcisismo exacerbado, que tem algo de psicose, e não como algo ligado à sua sexualidade, porque normalmente serve-se dos órgãos sexuais para obter os seus desejos, o que não parece ser uma forma sadia de exercer a sexualidade, mas que é proveniente de estímulos e excitações, que produzem determinadas sensações, que se constituem em emoções e sentimentos.
Invalida-se deste modo a ideia da mulher histérica, tal como foi entendida na idade média, como produto de uma disfunção orgânica, em que as manifestações corporais tinham uma conotação sexual, destruidora, devoradora, que parecia ter o demónio no corpo, e que por isso deveria ser queimada.
A mulher mais afoita na abordagem de uma relação com o sexo oposto, é entendida como algo que pode devorar o homem, o que se percebe no homem, dada uma certa inibição em relacionar-se com elas.
A submissão e a tentativa de anular o Pai, fazendo crer ao filho que ele é frouxo, sendo perversa, permitindo ao filho o que o Pai antes proibiu, transmite à criança uma sensação de poder da mãe em relação à figura paterna, que na realidade existe, percebendo-se a dependência de um em relação ao outro, em que a lei do Pai não se mostra, sendo substituída pela lei da mãe.
Se outra figura paterna existisse, com poder suficiente para equilibrar este quadro familiar, outra seria a relação, mesmo que conflituosa, não resultaria num poder único e esmagador, e a criança percebia a relação de outro modo.
A mãe fálica e poderosa, é entendida quanto a sentimentos, que podem refletir-se de um, ou outro modo, na forma como exerce a sua sexualidade, e não o contrário, porque se assim não for entendido, construímos a ideia da mulher passiva, que não pode ter desejos sexuais, cujo papel é simplesmente reprodutor, submissa ao masculino, que está em contradição com os movimentos de libertação da mulher.
Que libertação será essa de que falam esses movimentos ?
Por um lado manifesta-se o desejo de se libertarem das garras do poder masculino, por outro lado o desejo de ser dependente dele, pelo que se percebe evidente uma relação tumultuosa, sem que se tenha a coragem de definir seja o que for, em que se deseja a liberdade mas não se define em relação a quê, e tudo isto por culpa do amor, das sensações que ele produz, ou das sensações que cada um deseja sentir, para que possa sentir-se feliz, cujo princípio do prazer tantas vezes manifesta-se contrário ao princípio da realidade interna, e da realidade do mundo exterior.
Quando as pessoas entram em conflito, tanto com os outros, como consigo próprio, que passam mal, adoecem, não só no psíquico como no orgânico, e neste caso, recuperando de uma leucemia, paralisia parcial das pernas e impotência sexual, sofrem muito, e em consequência tomam decisões na sua vida, e tantas vezes nada tentam fazer e entregam-se à doença, o que não deixa de ser da mesma forma uma decisão, já que não conseguem potencializar outras possibilidades, mesmo que tenham a noção que elas existem, o que aconteceu neste caso particular, mas que pode servir de exemplo para tantos outros, porque semelhantes, mas que passados os momentos iniciais da sua doença, se entregou à psicanálise, e ao analista, para tentar entender alguma coisa de si, e do que estava a acontecer com a sua vida.
Para além de uma questão de fé, acreditando ser possível sair desse quadro clínico de morte, o que já constituía um indicador psíquico de mudança, ela começou a fazer-se na sua postura.
Na tentativa de criar uma energia ligada a outras ideias que não aquelas, percebeu um alívio da tensão interior no organismo, sem contudo existir um afrouxamento da sua ansiedade quando os conflitos surgiam, dado que começou a sentir a pressão de uma formação familiar que não estava preparada para qualquer tipo de mudança.
O narcisismo exacerbado, que a princípio funciona a seu favor, quando o conflito se instala posiciona-se contra ele, sendo uma força contrária que o agride, quando as dificuldades na relação surgem.
Tal força passou a funcionar a seu favor, associando a ideia da mudança a essa força contrária que emerge, sem que a possa conter, não lhe dando a importância que lhe merecia anteriormente, o mesmo será afirmar, que desistiu de impor a sua vontade ao outro, perseguindo um objetivo definido e autónomo, que só exige esforço de si próprio, sem mostrar-se dependente do outro, o que o levou a ter uma sensação de abandono, de sentir-se esvaziado de algum conteúdo ideativo, que se revelara patológico, como sendo a descontrução de si, o regresso à criança que está admirada, espantada com tanta magia, sentindo que está reconstruir-se, ou a construir um homem diferente dentro de si, que chora e pede ajuda ao Pai analista, para que o faça compreender, e perceber a mudança.
A transferência é essencial neste processo, o acreditar, e ter confiança no analista, para lhe confessar os segredos mais ocultos, em que a verbalização e o empenho que demonstra, o possa transportar a um mundo novo, tendo a noção que só agora está a dar os primeiros passos, mas que tenta entender, porque já não tem tanta ansiedade, já não se sente tão agredido, nem tanta raiva, em que o ser ativo manifesta-se, e o poder da sedução vai-se perdendo, entendida como as atitudes pervertidas que possam levar o outro a conceder-lhe o prazer.
Chorou e desabafou ¨ Não sei o que se passa comigo ¨.
Criança admirada, espantada, que durante vinte e poucos anos foi repetindo atitudes na sua vida, que lhe trouxeram a doença psíquica e orgânica, e que agora, num processo de recuperação fantástico, se sente esvaziado de tudo, mas feliz e extasiado com toda a transformação, que já não lhe traz tanta angústia e tristeza, mas que ainda se lhe nota alguma dependência em relação à mãe.
O grande desafio é subir a escada, sem que olhe para trás contando os degraus da sua vida passada, mas tendo a noção que sem eles, não poderia ter subido para um patamar superior, quando antes se negava a sair do mesmo sítio, em que o desejo psíquico contrariado pelas atitudes de uma mãe poderosa, lhe causava tanta dor, que a tentou anular, não através de um trabalho de elaboração psíquica, mas amputando parte de si, a paralisia parcial das pernas, que o impedia na realidade de caminhar, o equivalente a sintomas histéricos adquiridos por uma identificação com a figura materna.
A sua homossexualidade em nenhum momento foi motivo de análise, nem sequer seria interessante o fazer, e só os afetos foram trabalhados, elaborados, no sentido de entender a relação com os outros e consigo próprio, contudo ao ver o filme ¨ Lua de fel ¨ e ao observar uma cena em que a mulher besuntada de chocolate, ou algum creme gostoso, era lambida nos seios por um homem, lhe despertou o desejo de ser aquele homem, e possuir aquela mulher.
¨O que está acontecer comigo ¨ ?
Ou seja, porque os meus desejos estão a mudar ?
E porque eu sinto que estou a transformar-me, tenho medo de perder, não só os objetos que faziam parte da minha vida, porque já não pretendo ser passivo, mas todas aquelas pulsões que representavam uma ideia, que ao modificar esta, perderam-se, não só a ideia anterior, como a própria pulsão, a energia, que me conduziam a um determinado objetivo, que muito embora fosse substituído por outro, ainda não apresenta condições de satisfação plena do instinto.
Entendeu que a intimidade com os homens, promoveu a exclusão do objeto feminino nas suas relações sexuais, e que agora existe alguma inibição, que pode promover uma certa ansiedade, porque deseja, e não está seguro dos passos que deve observar nesse sentido, em que compreendeu, que está posicionado no ponto zero, semelhante à criança ignorante, que tem agora de aprender a lidar com a nova realidade, e não sabe muito bem como fazer, mas que tem consciência que deve manter-se tranquilo, sem fazer desses desejos novos uma obsessão psíquica, mas tentando lidar com eles de forma natural, em que o convívio deve ser promovido, de forma serena, natural, e que a relação pode acontecer a qualquer momento, quando se proporcionar, e não, que procure obsessivamente.
O poderoso, que nunca chorava, agora emociona-se e chora, e isso causa-lhe confusão.
E isso é bom ou é mau ?
Entende que o sentido que dá agora à sua vida não é a mesma que antes, mais verdadeira, responsável, sem angústia e tristeza, com decisões importantes no campo profissional, abandonando projetos a favor de outros que julga serem mais importantes, o que lhe confere uma segurança, o ser ativo, que tudo pode mudar, mas que ainda tem medo, que se emociona, porque está a viver, em que o passado, se faz ainda presente, embora ausente, mas que ninguém pode apagar e esquecer de todo.
O ser passivo, denota dependência em relação ao outro, e, é lógico, que ao pretender ser ativo, dando passos nesse sentido, esses sentimentos que ainda não foram perdidos, e não se perdem nunca, simplesmente se transformam, se fazem presentes, causem um certo desconforto, e uma sensação de insegurança.
Também é verdade que os ganhos secundários são sentidos como perdas, que no fundo são desejos e prazeres, que já não se querem ter mais, mas que tenta equilibrar com outros desejos e prazeres, criando objetivos, como a faculdade, os projetos de investigação, com o fim de obter vida própria, autonomia, mas com a consciência que o passado o atormenta ainda, e a todo o momento, que nos permite entender, que por vezes não damos conta do que estamos a pensar, e a fazer o que não desejamos.
Parece ser este o curso normal de toda a mudança, ou da sua tentativa, de quem pretende mudar na realidade.
São tentativas, como o foram na infância tantas outras, o aprendizado em permanência, as possibilidades que estão á espera de serem potencializadas, perante a impossibilidade, que ao sentir-se é responsável pela criação de outras possibilidades.
A sensação de ser escravo de uma ideia alheia, ou simplesmente da nossa, da qual nos pretendemos libertar, em que só a liberdade pode promover a autonomia do ser humano,
exige algum risco, não se vá ser destruído por uma realidade exterior que ainda não dominamos porque nunca experimentámos antes, pelo que sentimos alguma insegurança quanto aos resultados que podemos obter, e por isso o apoio que pretende, no aconchego do analista, no colo materno de um outro homem.
Por não pretender mais a dependência materna, que tem a noção que o conduziu a tal estado, por lhe querer tão bem, tanto mal lhe fez, mas que já perdoou, porque o amor tem destas coisas, ama-se, mas não conseguimos entender que estamos a sufocar o outro, não o deixamos crescer, recolhido no útero materno de modo fantasioso.
Honrar Pai e mãe, e perdoar-lhes pelos seus exageros, é ser adulto.
È entender que nos deram o que lhes foi possível, embora de uma forma que não percebemos tantas vezes, e eles muito menos, convencidos que estavam a dar o melhor a seus filhos.
O ser adulto é pensar por si, desejar ser autónomo e criar possibilidades.
È mostrar-se forte perante o impacto da realidade exterior, sentir a frustração, a angústia e tristeza, e reagir, fazendo de novo, de outro modo talvez, sem sentir-se agredido, e não sentir a raiva, que o possa levar a agredir, para não voltar a sentir os mesmos sentimentos, mas tendo sempre em conta o respeito e consideração pelo o outro.
Em cada momento sentimos a criança dentro de nós, que não sabe como fazer, mas que deseja, e como por magia as coisas acontecem, o espanto toma conta de nós, porque estamos a mudar o que antes parecia impossível, eternamente crianças e nem sempre adultos, nos confrontamos a cada passo, com a possibilidade e a impossibilidade de transformar a nossa vida.
Somos empurrados para um canto da sala, ou tentamos seduzir o outro para conseguir nossos objetivos, ou de modo próprio, depois de elaborar lançamos mãos à obra, para construir a nossa própria vida.

Já não sou o mesmo de ontem, não serei amanhã o que sou hoje, em constante evolução, perguntou quem sou afinal ?

Quando as mudanças são promovidas devido a alterações de pormenores, não se lhes nota a diferença, criando a ilusão que nada mudou, quando tudo se altera a cada momento, não sendo confrontado com o radical das decisões, que nos coloca perante uma nova realidade, que temos de gerir, mas cujo movimento é dirigido noutro sentido, e tantas vezes inverso ao que estamos habituados.
A constância parece não existir, mas a um ritmo próprio de cada um, com alterações pelo meio, em que a rotina acaba sempre por cansar, e nos tornar seres imobilizados, nada fazemos igual, muito embora semelhante, devido a alterações de pormenores, que pode ir desde o cenário, aos objetos e à relação com eles, num processo de auto realização, que nos pode conduzir à satisfação ou á frustração.
Mas que resistência é essa, que não nos deixa introduzir alterações profundas no sentido de inverter o rumo aos acontecimentos ?
Talvez, porque as alterações que observamos que nos podem ser úteis, não seguem a mesma ordem que antes construímos rumo a um objetivo, e reconhecemos que o ser humano não tem condições, pelo menos imediata de adaptar-se a elas, por isso as rejeitamos.
A perspectiva inicial que se tem, segue o seu rumo, e só uma outra percepção sobre o assunto pode desencadear um novo processo e criar um novo destino, em que o movimento se verifica sempre, de uma maneira ou outra, na tentativa de alcançar a finalidade do instinto, a sua satisfação.
Mas como abandonar a perspectiva anterior, quando se é afetado por ela, e deixar-se abandonar nos braços de outra, deixar-se levar por ela, como ser puro, feito criança ?
Nada se perde, tudo se transforma, Lavoisier.
Mas ao transformar-se, existe a perda de uma ideia anterior ?
Ou é a partir dela que é possível a mudança ?
A partir de uma ideia construída, podemos construir uma infinidade delas, que não dos objetos, porque outros podem substituir aqueles, embora possam permanecer em nossas vidas, eles não são sentidos como únicos e fundamentais, porque o objecto EU, o sujeito, retirou-se da sua dependência, e quis navegar por outros mares.
A ideia de hoje sobrepõe-se, ou pode sobrepor-se, à anterior, aquela pode matar esta, ou esta pode matar aquela, mas será sempre por causa das ideias anteriores, que outras vieram para a substituir, por mais estúpidas e aberrantes que sejam, sendo ideias que se tornam presentes, para não nos sentirmos ausentes, sem ideia nenhuma, em que só o autómato, a robótica, ou a paralisia, nos pode salvar de uma sem vida.
O movimento repetitivo tende a eliminar um novo sentido.

Queiramos ou não, amputamos algo em nós, para que seja possível criar possibilidades de vida.

Passado quase uma semana de estar em São Paulo, nos afazeres da Faculdade, quando o dia do regresso a casa estava próximo, as dores de cabeça começaram, as dores abdominais também, e uma indisposição geral difícil de suportar apoderou-se do seu corpo, sem que conseguisse perceber qual a origem de tudo isso, foi levado a meditar acerca de tal manifestação de mau estar.
Será que o estar longe de casa causa-me alguma insegurança ?
Se assim fosse, tudo isto me aconteceria aquando da viagem para São Paulo, e não agora que vou regressar.
Será que esta indisposição tem a ver com o regresso ao ambiente familiar que já não desejo ?
Eis a dor, e uma tensão interior, provocado por um conflito inconsciente, entre o que deseja e o desprazer de um encontro com o passado que não deseja, que nada tem a ver com o amor de mãe, mas com a relação entre pessoas, que já não pretende que seja a mesma.

O objeto de amor, que ama, e pretende continuar a amar, e não odiar, mas cujas relações com ele tornou-se difícil de suportar.

Percebe-se a nítida definição quanto ao objeto de amor, e ao modo de manter uma relação com ele, algo diferenciada daquela que tinha no passado.
Existia um polimorfismo quanto ao modo de pensar, em que tudo era associado a essa forma inicial, em que todas as possibilidades potencializadas não eram criadoras de fatos novos.
O outro como objeto sente que algo na relação está a mudar, e desenvolve esforços para que isso não aconteça, tentando impor a ideia de que amor, aquele amor, só pode ter aquele tipo de relação, possessiva, não entendendo mais nada para além disso mesmo, em que só a atitude firme e correta, demonstrando que o amor que sente pela mãe é o mesmo, mas que pretende libertar-se da sua dependência, e seguir seu caminho, agora com autonomia.
Os sintomas que enxergava no filho, já não os enxerga mais, a não ser a espaços, e o medo por o perder, também é sentido, em forma do objeto criança, que desejava perpetuar, em que nota-se o seu poder narcisista, e o sentimento de posse exagerado.
O filho, que consciente em seguir um rumo na sua vida de forma autónoma, tem a noção do aprendizado, da insegurança, que por vezes sente-se esvaziado, pela perda de uma ideia inicial dessa relação mãe e filho, caminha agora no sentido de uma nova construção.
Tende a consolidar uma posição, sem perceber muito bem como o fazer, procura um suporte, que lhe garanta uma vida diferente, não desejando cair no colo da mãe novamente, apresenta alguma dificuldade em amparar-se em si mesmo.

Hoje percebo as coisas horríveis que fiz, desabafa a chorar.

Aproveitei-me das pessoas para obter o que desejava, servi-me delas.
Sente culpa ?
Talvez não, mas raiva, porque hoje sinto que estava errado, e que não o deveria ter feito.
Mar porquê hoje e não ontem ?
Tem razão, porque só hoje consigo enxergar.
Que culpa é essa, senão a compaixão de si próprio, mais uma vez punindo-se devido a comportamentos do passado ?
Não se perdoa ?
Estou a tentar perdoar-me.
Quando se vai libertar dessa culpa do passado ?
Vejo a luz ao fundo do túnel, mas ainda não a consigo alcançar, estou a caminhar para ela, mas assusta um pouco, sinto-me por vezes inseguro, inquieto, sozinho, não querendo o colo materno, mas ainda o desejando por vezes, porque ser autónomo exige sacrifício, energia diferenciada, o que por vezes faz perder forças, e incomodado pelo o incómodo, a tendência é o regresso ao passado, que não desejo.
Estava no escuro do túnel, do útero materno, acomodado, acarinhado, mas apodrecendo, porque já não era tempo de estar ali, uma luz podia observar do outro lado, o ser que estava dentro de outro ser, que embora outro, não poderia ser outra coisa, senão aquele que o fazia omisso, e quando um dia empurrado para a loucura da luz do dia, seus olhos cegos que pretendia abrir, com tanta luz, acabaram por fechar-se, agarrou-se à saia da mãe, porque tudo o ofendia, ou parecia ofender quando na relação com os outros.
Pai agressivo e prepotente, uma sociedade preconceituosa, e uma mãe que não o defendia, mas que o protegia, fazendo das outras figuras omissas, mas ao mesmo tempo tenebrosas e assassinas, o aconchegando simplesmente para não voar e sentir-se sozinha, arrastada para a solidão com medo de cair na melancolia e morrer.
Mal sabia ela, que o filho a entendia como objeto destruidor, triturador, que anulou a figura do Pai, poderosa, e que só por medo, ou por não saber criar outras possibilidades, a ela se subjugava, submetia-se, que projetou na vagina todo o seu poder, que castrou o pai, o mesmo que era tão agressivo, e que ela dominava como se fosse um cordeiro.
E como não tenho vagina para ser penetrado e moldar o outro à minha vontade, me servirei do ânus, como algo semelhante, para que possa possuir outros homens, e ser tão poderoso quanto ela, e os perverter aos meus desejos.
Sou coitado por necessidade de obter prazer e ganhos secundários, por isso garanto ao outro o prazer de me ter, sou passivo, mas com a ideia de criar possibilidades, e quanto a isso sou ativo.
Parece então claro, que o ser ativo ou passivo na relação não se mostra tão importante, porque todos somos ativos perante uma ideia que nós próprios criámos, ou nos criaram, e o ser passivo em relação ao outro é proveniente dessa ideia.
Sujeito-me a ser coitado, criando a ilusão ao outro que sou inferior, para que ele me possa conceder o prazer de estar na vida, que de outro modo não consigo obter.
Não sou coitado, sou lobo, embora me mostre cordeiro, carne tenra para comer, o sacrifício que tenho de fazer, para obter o prazer do aconchego e ser compreendido.
O histerismo da mãe projetado no filho, que quando deixa de fazer-se sentir, o núcleo neurótico mostra-se evidente, em que o regresso ao ignorante, o faz sentir a magia quando experimenta algo de novo, em que o experimento desenvolve algumas possibilidades, que ele próprio não sabia que existiam dentro de si.
Já não tenho gozo, e até sinto um certo incómodo em beber uma cerveja num bar Gay.
O exibicionismo incomoda-me.
Já não quero mais aquele ambiente.
O que se está a passar comigo ?
O espanto, a magia, por algo que se está a transformar, não lhe parece ?
Sim, mas eu quero, eu preciso entender, causa-me confusão.
Tente entender primeiro porque o incomoda agora o exibicionismo da sua homossexualidade, que antes lhe parecia agradar.
Não sei explicar.
Porque não tem agora essa necessidade de mostrar-se igual a tantos outros ?
Não sei.
Será que tem a certeza do ser homossexual que está dentro de si ?
È verdade, nunca senti tantos desejos por mulheres como hoje.
Porque antes queria fazer parte da oferta, e hoje da procura ?
Não tinha pensado nisso.
Não lhe disse, mas senti que ele de fato tinha perdoado à mãe, já não a enxergava tão poderosa, porque arrastada a seus pés, quando pressentiu que o filho desejava sua vida autónoma, percebeu que o general tinha perdido o comando das tropas, ou que ele próprio era agora o poder, que lutava mais consigo, que com os outros, que liberto das amarras, começava a entender, que afinal o mundo exterior não era como o via, ou o fizeram enxergar, e que destruidora, a trituradora da figura paterna estava errada.
Simplesmente o Pai se deixava anular por aquela vagina quente e húmida, que lhe dava prazer, não por amor, mas por necessidade de sentir-se útil, porque homossexual era entendido como sendo o contrário, e estando com uma mulher, ninguém poderia julgar, ou, sequer adivinhar as suas tendências homossexuais.
A transferência para o filho fez-se através de uma postura agressiva e prepotente, chegando ao espancamento, como a raiva contida de não o poder possuir, fez dele o homossexual que ele nunca teve a coragem de ser.
Por medo de mais tarde também constituir uma ameaça, não vá um dia ser desejado pela mãe e ela o desprezar, fez perceber no filho que os homens eram agressivos e violentos, o empurrando para uma postura feminina.
Podemos pensar o descrito como especulativo, mas o fato é que este relato, ou melhor esta sensação, foi o próprio paciente que a revelou.
A neurose traumática está aos poucos sendo dissolvida, não é mais criança, que possa ser espancada, cujo entendimento permite-lhe construir uma outra perspectiva, sem o medo de ser punido, espancado, questionando neste momento, que nem todas as vaginas são iguais, que se comportam como a da sua mãe, e que outras mães apresentam outro tipo de atitude que não aquela, dissolvendo a ideia da vagina destruidora, trituradora.
Começou a perceber outras perspectivas, construindo outras ideias, em que existem outras tantas possibilidades, que dependem da relação, e que os sentimentos são resultantes de sensações que elas podem provocar.
Bem vindo ao mundo da psicanálise.

Acordar do sonho nem sempre é fácil, porque mesmo acordados, por vezes, continuamos a sonhar.

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