Retalhos de uma vida - Livro do autor do blog

http://www.bookess.com/read/7054-livro-retalhos-de-uma-vida-/ ISBN - 978-85-8045-076-7 Definir um livro pela resenha é um fato que só é possível quando o livro realmente apresenta um conteúdo impar, instigante, sensível, inteligente, técnico e ao mesmo tempo de fácil entendimento....e Retalhos de uma vida, sem sombra de dúvidas é um livro assim. Parabens, o livro está sendo um sucesso. Ricardo Ribeiro - psicanalista

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Fragilidade Depressiva

A força da palavra repetida centenas, ou milhares de vezes de uma forma generalizada, abrangente, faz parecer aquilo que não é, misturando tudo no mesmo saco, em que acreditamos tratar-se do mesmo, quando na realidade são coisas diferentes.
Se estamos tristes falamos em depressão.
Se de mau humor está depressivo.
Qualquer oscilação de humor é considerada depressão.
Poderá de fato, tal forma de pensar ser uma coisa boa para a indústria farmacêutica, que vende do simples calmante até aos mais poderosos medicamentos. que colocam o sujeito num estado de inércia tal, que não sabe bem se está no meio dos vivos, ou dos mortos.
Mas certamente não será para o indivíduo, que se enche de tóxicos ao primeiro sinal de tristeza, julgando que o dia de amanhã vai ser muito pior que hoje, que o pode impedir de trabalhar. e ter uma vida normal.
O sujeito sente-se doente, quando afinal não tem doença nenhuma, apenas um transtorno pontual causado por uma contrariedade qualquer, que tem alguma dificuldade em dissolver.
Por outro lado, é uma boa justificativa, porque está com depressão, tem desculpa para não seguir em frente. e ficar acomodado.
Tal como a mulher que está sempre com dores de cabeça, na altura de aturar o macho na cama, com os seus apetites sexuais, arranja sempre um motivo para fugir à punição, que é o desejo do outro.
È preciso começarmos a entender que existem vários graus de intensidade de insatisfação, que pode ser momentânea. ou prolongar-se no tempo.

São esses dois fatores, intensidade e tempo de duração, que vai definir a dependência em relação a um determinado estado.

O estado depressivo caracteriza-se por uma certa quantidade de insatisfação, que se prolonga de forma ininterrupta durante várias semanas, em que a tendência do sujeito é não ter ânimo para movimentar-se, percebendo-se uma certa quietude. ou movimentos lentos em relação ao habitual, acompanhado de uma verbalização de incapacidade. e uma tristeza profunda.

Excluindo este caso, tomar medicamentos para atenuar a dor e sofrimento, é fabricar doentes em série, quando na realidade são sadios, dado que se trata de uma forma de sentir, e de manifestação do corpo face a uma contrariedade.
È através do sentir, dor e sofrimento, que nasce um impulso interior no indivíduo que o pode conduzir à superação das dificuldades.

Quando essa dor e sofrimento, torna-se insuportável, e tende a permanecer por algumas semanas, então podemos considerar que o indivíduo não superou as suas dificuldades. precisa de ajuda analítica, e de um medicamento para o tranquilizar.
Ao retirar a dor e sofrimento, devido a um impacto de algo exterior que contraria o sistema biológico e psíquico, e que por isso o corpo reage, somos tentados a perder a noção da nossa relação com as coisas, e o mundo que nos rodeia.
O sintoma desaparece, mas as dificuldades continuam
O resultado é adiar uma decisão, ou pelo menos a tentativa de solução de algo que aflige o sujeito, que tende a prolongar-se no tempo, cujas consequências não sabemos.

Devemos perceber, que a dor e sofrimento, é uma forma do corpo sinalizar algo estranho, impulsionando o sujeito a procurar uma solução, ou a promover mecanismos de defesa contra aquilo que o está a agredir.

Esta é uma condição genética, que o corpo através da tomada de sentido na relação com as coisas tende a desenvolver, como formas de defesa e de relação, para que não seja afetado.
Ao não percebermos isso, e recorrendo ao medicamento ao primeiro sinal de tristeza, dor e sofrimento, o indivíduo está a anular um dos princípios básicos do corpo genético, o que o enfraquece perante o meio exterior, a vida.
A pergunta que parece pertinente fazer, é se na realidade o sujeito recorre à medicamentação ao primeiro sinal de tristeza, porque na sua formação familiar já o fizeram fraco, ou se na realidade o que o perturba tem assim tamanha gravidade.
Sabemos que sentimos, devido à tomada de um sentido anterior.
Mas quem nos faz sentir, e a forma de sentir é em primeiro lugar a mãe, que após o nascimento da criança que fomos um dia, cuidou com amor e nos deu os primeiros objetos, criou ilusões, e provocou desilusões.
Certamente o indivíduo não toma o medicamento, ao sentir-se suficientemente forte para resolver uma contrariedade, o que nos leva a pensar, que não é só uma questão de moda social, ou uma agressão do meio envolvente, mas antes tem sua origem anterior.
Nota-se claramente, que o indivíduo apresenta uma certa debilidade para lidar com as situações que lhe são oferecidas no dia a dia, para as quais não parece ter uma resposta que o possa satisfazer.

È o sinal evidente, que a sua formação familiar está desfasada da realidade, de onde emerge um poder narcisista exagerado, que tende a provocar algum transtorno, por impossibilidade de adaptação.

Podemos admitir que devido à formação da criança, que a tornam frágil, ela não apresenta condições de suportar, nem sequer superar as dificuldades que lhe são presentes durante o percurso da vida.
Nessas condições, e por via disso, o estado depressivo tende a emergir como condição natural, proveniente de um desfasamento, entre formação e realidade, em que parece existir uma clivagem cada vez mais profunda entre elas.
Se assim entendermos, não nos custa admitir que aumentem cada vez mais os indivíduos propensos a um estado depressivo, dado que no seio da família é promovido o idealismo, que são formas exclusivistas e discriminatórias de estar em sociedade.
Nos apresentamos por isso cada vez mais frágeis e sensíveis.
E quando falamos em meio envolvente, sociedade, na tentativa de explicar o fenómeno, parece que nos esquecemos que ela é o produto de muitas individualidades, e que é sempre no plano individual que tudo tem sua origem.
Não parece que seja um fenómeno que tenha a sua origem em exclusivo nas sensações produzidas por uma mãe sedutora, e até perversa por vezes, mas sobretudo devido à ausência do peso da figura do pai, entendido como a lei, em que o seu lado masculino é submisso á figura feminina.
As dúvidas, se é que existiam, começam a dissipar-se quanto ao poder feminino, tanto no seio familiar, quanto na sociedade, criando uma ruptura com o equilíbrio na relação com o companheiro, e na formação dos filhos.
Se o papel central no seio familiar cabe ao feminino, a criação de sucessivas rupturas com o companheiro, apresenta como consequência o abandono do lar por parte deste, ou a submissão ao poder feminino.
Assim, a identificação da criança é promovida quase em exclusivo, tendo em conta a figura materna.
As sensações que ficam da proteção, carinhos excessivos, idealismo, que é uma condição estética de perceber o mundo, é proveniente de uma submissão da figura paterna ao poder feminino.
O poder masculino é um mito, como sempre o foi ao longo da história, em que na maioria das vezes o seu poder é ofuscado, em face do desejo de possuir o objeto de desejo e de prazer, que é a mulher.
Só que os fenómenos sociais, económicos e políticos, fogem a essa visão familiar acerca do mundo exterior, dado que se relacionam e interagem diversos corpos, com formas de pensar e agir divergentes, em que a ideia do poder emerge como condição natural.
È o poder, a pressão que é exercida sobre o individual, em que este julga ter algum poder sobre os acontecimentos, que conduz o indivíduo ao estado depressivo, ou á violência.

A força de um poder interior narcisista exagerado, que o indivíduo percebe não ter poder algum para contrariar as forças sociais que se revelam no exterior, que transmite a sensação de impotência, parece ser responsável pelo o estado depressivo.

O poder esmagador do coletivo face ao individual, quanto mais acentuado, maior a sensação de impotência, e fragilidade.

Quanto maior for o poder interior narcisista do indivíduo, mais evidente será o embate com forças exteriores que o tentam contrariar, que, por não poder superar, emerge a sensação de frustração face á realidade.
Desse modo não podemos perceber com clareza qual a causa que leva o sujeito a tomar medicamentos ao primeiro sinal de tristeza, nem apontar com alguma exatidão de onde provém essa ideia, contudo, o que sabemos é que o processo do sujeito começa com a sua infância, que o faz singular, e é fundamental para que possa movimentar-se na vida.
Afirmar que a sociedade está deprimida, tumultuosa, sendo um lugar perigoso para se viver, onde acontece de tudo um pouco, de forma mais ou menos exagerada, pode ser uma boa desculpa, mas não justifica por si só, o estado depressivo no plano individual.
Evidencia-se através da reclamação, porque a culpa parece ser sempre dos outros, a tentativa de fugir á discussão acerca do tipo de formação seguida no seio familiar.
Esta fuga por si mesma, é reveladora de um recusa, derivada de um poder interior exagerado, que confere aos pais a certeza dos seus procedimentos, que mostram mais tarde seus frutos, talvez bonitos por fora, mas pouco sadios, e frágeis no seu interior.
Em análise, o analista é levado a entender o confronto entre a interioridade do sujeito, e a luta que este promove com o mundo exterior a si mesmo, que origina o distúrbio, em que o poder de adaptação a condições adversas é quase inexistente.

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