Retalhos de uma vida - Livro do autor do blog

http://www.bookess.com/read/7054-livro-retalhos-de-uma-vida-/ ISBN - 978-85-8045-076-7 Definir um livro pela resenha é um fato que só é possível quando o livro realmente apresenta um conteúdo impar, instigante, sensível, inteligente, técnico e ao mesmo tempo de fácil entendimento....e Retalhos de uma vida, sem sombra de dúvidas é um livro assim. Parabens, o livro está sendo um sucesso. Ricardo Ribeiro - psicanalista

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Psicanalise e Religião

A questão ¨religião¨ para a psicanálise, não deve ser mais ou menos importante, que outras características de índole cultural e lúdicas, pelo que possuo o entendimento, que existe uma avaliação distorcida da realidade, que conduz por vezes a pronunciamentos, e avaliações incorretas.
A discussão da atualidade é semelhante ao tempo de Freud, muito embora com outro envolvimento e características próprias de cada época.
A questão religiosa sempre afligiu os mais inquietos.
É bom que se diga que o assunto não é de forma alguma irrelevante, para não merecer um estudo e investigação mais detalhada, dado que as opiniões divergentes reinam também no seio dos estudiosos da mente humana.

Freud – Vol. XX – Inibições, sintomas e ansiedade, refere o seguinte :

- Eu próprio atribuí um valor mais elevado a minhas contribuições à psicologia da religião, que começaram com o estabelecimento de marcante similitude entre as práticas religiosas ou ritual (1907b). Sem ainda compreender as ligações mais profundas, descrevi a neurose obsessiva como uma religião particular distorcida e a religião como uma espécie de neurose obsessiva universal.

Freud afirma que as suas contribuições para uma psicologia da religião, partiram de um pressuposto de evidências, não tendo em conta que ela é um derivado de formas e ligações mais profundas, em que os seus escritos de totem e tabu, emergem como derivado da aceitação dessa análise inicial distorcida.
Devemos levar em conta que Freud como idealista da psicanálise, era o navegante que percorria mares nunca antes trilhados, que por isso mesmo estaria sujeito a distorções de análise, que aos poucos foi clarificando.
Estamos em presença de um homem que aceitou errar, que não escondeu que é humano e, que por isso cometeu algumas distorções da realidade, como condição evolutiva de uma determinada idéia.
Devemos perceber nisso um mérito, que confere ao sujeito a honestidade, a clareza e a frontalidade, para dar o dito pelo não dito, dado que algo ainda faltava saber, e que na altura lhe escapou.
Parece descartar em definitivo a hipótese analógica, entre neurose obsessiva e religião, e esta, como sendo uma espécie de neurose obsessiva universal.
O que em princípio era dado a uma forma associativa, foi dissociado, percebendo-se que não existe ligação profunda entre ambas, pelo que passou a tratar a religião como um processo separado, de um qualquer transtorno psíquico por ele motivado.
A meu ver, o parágrafo acima descrito é fundamental, cuja finalidade é tentar entender, não as implicações da religião no psiquismo, mas antes, os motivos que levam o indivíduo a refugiar-se nela.
E se assim entendermos, a religião em si mesmo é um produto irrelevante para análise, que não as suas motivações, estas sim, de suma importância, dado tratar-se de sentidos.

Freud refere de seguida:

- Posteriormente, em 1912, a indicação convincente de Jung das analogias de amplas conseqüências entre os produtos mentais dos neuróticos e dos povos primitivos levou-me a voltar minha atenção para aquele assunto.

. A mitologia tornou-se o domínio especial do Otto Rank; a interpretação dos mitos, sua ligação com os complexos inconscientes familiares da primeira infância, a substituição das explanações astrais por uma descoberta dos motivos humanos, tudo isto em grande medida devido aos seus esforças analíticos.

O simbolismo trouxe para a psicanálise muitos inimigos; muitos indagadores com mentes indevidamente prosaicas jamais foram capazes de perdoar a esta o reconhecimento do simbolismo, que decorreu da interpretação dos sonhos. Mas a análise não tem culpa da descoberta do simbolismo, pois de há muito fora conhecida em outros domínios do pensamento ( tais como o folclore, lendas e mitos) e neles desempenha papel ainda maior do que na ‘linguagem dos sonhos’.
É a partir desse momento que existe uma ruptura com os enunciados anteriores, e predispõem-se a estudar e investigar o que foi proposto por Jung e Otto Rank, o que demonstra de forma inequívoca que estaríamos em presença de um homem, que não partia de certezas absolutas, e estaria disposto a enxergar outras perspectivas, através das quais podia ser observado determinado fenômeno.

Acrescenta Freud :

- Em quatro ensaios, enfeixados num livro com o título de Totem e tabu [1912-13], mostrei que o horror do incesto era ainda mais acentuado entre as raças primitivas do que entre as civilizadas e dera lugar a medidas muito especiais de defesa contra ele. Examinei as relações entre as proibições tabus (a forma mais antiga na qual as restrições morais fazem seu surgimento) e a ambivalência emocional, e descobri sob o esquema primitivo do universo conhecido como ‘animismo’ o princípio da superestimativa da importância da realidade psíquica — a crença ‘na onipotência dos pensamentos’ — que está na raiz da magia também. Desenvolvi a comparação com a neurose obsessiva em todos os pontos, e mostrei quantos dos postulados da vida mental primitiva ainda estão em vigor nessa notável doença.

Deste modo, Freud, coloca de lado os seus escritos e idéias anteriores, para dar ênfase a restrições morais, como provenientes de proibições tabus, que é uma condição primitiva, e por isso anterior ao próprio surgimento da religião.
Parece restarem poucas dúvidas nesse sentido.

Em relação ao estudo do totemismo disse o seguinte:

- Meu ponto de partida foi a impressionante correspondência entre as duas ordenações tabus do totemismo (não matar o totem e não ter relações sexuais com qualquer mulher do mesmo clã do totem) e os dois elementos do complexo de Édipo (livrar-se do pai e tomar a mãe como esposa).

Não consigo ter outra interpretação á luz do que está escrito por Freud, do que a mera correspondência entre o primitivo,e aquilo que deveria ser observado para que o complexo de Édipo não emergisse como ideativo psíquico.
Freud nos diz que esse pensamento primevo do filho, de tomar a mãe como sua esposa, que para tal deve livrar-se do pai, está na contramão de um princípio moral primitivo.
Mas nos diz mais, que tais princípios emergem de ciúmes sentidos em relação ao pai, que possui a mãe, para ele tão querida e amada.
Pelo que sou levado a considerar que existe na realidade uma relação entre pais e filhos, que de acordo com uma série de fatores, pode conduzir o indivíduo ao complexo de Édipo, ou pura e simplesmente o levar a ignorar.
E neste ponto, não podemos fugir ao estudo e investigação da relação objetal, que parece de fato determinar a superação, ou não, do complexo de Édipo.
Para ser mais preciso, é na relação, e através dela, que tende a emergir a complexidade psíquica no ser humano, dando origem a múltiplos derivados e aos sentimentos.
Já não podemos falar de um simples ato reflexo, ação / reação, a partir do momento que se intromete o lado afetivo, como algo incorporado como desejo, mas que de todo é proibido.
Percebemos então a presença do recalque e do recalcamento provocado por uma ordem exterior ao próprio indivíduo, que foi transformada em lei.
Devemos desta forma deduzir, que a formação infantil desde o início, que não mantenha uma atitude firme, de separação de uma idéia incestuosa, poderá conduzir a criança para o complexo de Édipo.
A questão a que devemos dar uma resposta, a podemos encontrar nas atitudes formativas, para que essa idéia não surja na mente da criança.
Deste modo, somos levados a considerar o estudo e investigação acerca de estímulos e zonas erógenas que podem ser estimuladas durante o decorrer da formação infantil, devido á relação entre pais e filhos, que impõem um determinado sentido á criança, transformado em desejo, porque prazeroso.
Parece existir uma diferença a considerar, entre o desejo interior do indivíduo despertado através da relação com os pais, que segue seu rumo no psiquismo, e o recalque posterior a essa idéia, como forma impeditiva de ser consumada.
A inexistência desde princípio, de atitudes que não despertem esse desejo pelo o objeto mãe, é que prioritariamente está em causa.
Devemos considerar segunda esta perspectiva, o que cada um de nós possa entender por autonomia da criança, que é conferida pelos os pais.
Não será difícil perceber a complexidade deste assunto, que decorre de uma visão primeva da existência do ser humano, que tem em conta em essência a forma como são sentidos os diversos fenômenos, a incorporação de um sentido no corpo, e seu desenvolvimento posterior, rumo á intelectualidade.

Freud termina sua análise afirmando:

Lançando um olhar retrospectivo, portanto, ao mosaico que são labores da minha vida, posso dizer que comecei muitas vezes e joguei fora muitas sugestões. Algo surgirá deles no futuro, embora eu mesmo não possa dizer se será muito ou pouco. Posso, contudo, expressar a esperança de que abri um caminho para importante progresso em nossos conhecimentos.

Em O Futuro de uma Ilusão exprimi uma avaliação essencialmente negativa da religião. Depois, encontrei uma fórmula que lhe fazia melhor justiça: embora admitindo que sua força reside na verdade que ela contém, mostrei que a verdade não era uma verdade material mas histórica. [1939a, Ensaio III, Parte II (G).]

A questão fundamental, segundo o meu entender, e, é dessa forma que enxergo a questão da religião, é que ela é devido a fatores circunstanciais, como um modo de vivenciar as coisas e o mundo, de uma forma particular ou coletiva, em que a sua importância deriva de fatores de formação infantil, que se encontram a montante.
E para a psicanálise fatores circunstanciais são derivados de sentidos, e de formas culturais adquiridas, que do mesmo modo são reveladoras de um determinado sentido.
Em conclusão, a questão da existência ou não de Deus, não parece que seja passível de discussão em psicanálise, mas sim a lei do Pai Deus, feito homem, que segundo os costumes do mundo Ocidental, a ela o ser humano deve obediência.
Em última análise, não vejo qualquer evidencia que a religião possa conduzir o ser humano á patologia, dado que não é devida a ela que o ser humano padece de um transtorno psíquico.

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