Retalhos de uma vida - Livro do autor do blog

http://www.bookess.com/read/7054-livro-retalhos-de-uma-vida-/ ISBN - 978-85-8045-076-7 Definir um livro pela resenha é um fato que só é possível quando o livro realmente apresenta um conteúdo impar, instigante, sensível, inteligente, técnico e ao mesmo tempo de fácil entendimento....e Retalhos de uma vida, sem sombra de dúvidas é um livro assim. Parabens, o livro está sendo um sucesso. Ricardo Ribeiro - psicanalista

domingo, 15 de novembro de 2009

Tudo isto é vida

Nenhum ser humano por não saber ler e escrever tem problemas com qualquer outro, e a prova mais evidente são os emigrantes, que na procura de melhores condições de vida, deslocam-se para outros países sem saber e perceber uma palavra da fala daquela gente, no entanto tanto uns quanto os outros fazem um esforço para se entenderem através dos gestos.
O emigrante regressa ao primitivo da fala, mas encontra a evolução da relação humana e o mundo da tecnologia.
Quando ouço afirmar a alguns intelectuais e homens da ciência que o desconhecido mete medo ao ser humano, lembro-me logo dos emigrantes que enfrentam o desconhecido com a fé e a esperança, de encontrarem algo de bom, ou pelo menos agradável que os faça sentir vivos e um pouco mais felizes.
Tento conhecer as histórias dos meus antepassados, contada pelos meus avós e pais, ouvindo avós e pais de outra gente também, que atravessaram a fronteira para chegar a Espanha, com um cajado e um pedaço de pano amarrado nele, contendo algumas azeitonas e pão de milho, como único conforto para viagem, que era sempre feita a pé, porque meios de transporte era coisa que ainda não existia, sem saber ler e escrever o seu idioma de origem, quanto mais entender o Espanhol.
Adeus terra. Adeus pais. Adeus, mulher e filhos, que daqui tenho que partir, em busca de mais sustento, porque da miséria todos nós estamos fartos.
Porém estes eram uma minoria, comparado com os milhares que se deixaram ficar, comendo o pão que o diabo amassou, que o outro que partira nem pão teria quando se lhe acabasse.
Brava gente, que fazia da vida sua estrada, em que a morte era apenas um acidente de percurso, que não tinham medo de nada, porque nada tinham para que pudessem temer.
Nem revistas, televisão ou rádio, e internet muito menos, para lhes contar o feito heróico e postar a sua foto nas primeiras páginas dos jornais, tudo feito em silêncio, encurtando a distância com as pernas para chegar ao destino, entre vales e montanhas, enfrentando um sol escaldante e as noites frias, tantas vezes geladas, se enrolavam numa palha qualquer para passar a noite, atravessavam rios, sem no entanto terem sido ensinados a nadar.
Homens de fibra dizem uns, de rígida tempera, que mais vale partir que torcer.
Dirão outros que as necessidades os faz despertar para a vida, que logo caminham para encontrar a luz que os possam iluminar e lhes servir de conforto.
Mas aqueles que ficaram e da sua terra não quiseram partir, porventura não continuam a lutar pela sua sobrevivência, e não são homens da mesma tempera ?
Tudo isto nos provoca, que de uns merece a critica e o julgamento, de outros a admiração, porque mar nunca antes navegado, dele não se conhece as tormentas, e o medo que aquieta uns, parece agitar outros, que os faz ficar ou partir.
Os que os fez ficar ou partir parece ser coisa do destino, mas quando ficamos atentos e os ouvimos, entendemos que embora semelhantes as condições na sua terra de origem, os motivos soaram como gritos naqueles que se foram, que os outros o escutaram como o velho fado a que estavam habituados, que falava de saudade e nostalgia, do amor perdido, e por isso se deixaram ficar.
Tudo isto é vida, tudo isto é fado, diz a letra da canção.

Um comentário:

Ana Filipa Oliveira disse...

Gostei deste texto. Não por ser uma emigrante. Aliás, somos os dois. Somos emigrantes dos novos tempos. E isso não é pior nem melhor do que ser emigrante dos outros tempos. Tem, de certo, as suas diferenças. Lembrei-me de duas pessoas que se encontram na Alemanha: eu - destes novos tempos e a irmã da minha avó - dos outros tempos. Eu com curso superior e a minha tia-avó sem ler nem escrever (talvez com a quarta classe!). Ela ainda não voltou para Portugal, já lá vão décadas de aqui estar. Eu, por enquanto, por aqui me vou mantendo.