Retalhos de uma vida - Livro do autor do blog

http://www.bookess.com/read/7054-livro-retalhos-de-uma-vida-/ ISBN - 978-85-8045-076-7 Definir um livro pela resenha é um fato que só é possível quando o livro realmente apresenta um conteúdo impar, instigante, sensível, inteligente, técnico e ao mesmo tempo de fácil entendimento....e Retalhos de uma vida, sem sombra de dúvidas é um livro assim. Parabens, o livro está sendo um sucesso. Ricardo Ribeiro - psicanalista

sábado, 15 de janeiro de 2011

Festa de anos em África

Meu relógio parou no dia dos meus anos. Decorria o ano de 1972, 09-Novembro, pelas 18 horas, o meu relógio de pulso parou, e não mais trabalhou. Já caía a noite naquele lugar de África – Guiné Bissau, a misera janta já tinha sido consumida, quando de repente um estrondo, que fizera tremer o céu e a terra deu um abanão á tranqüilidade que se fazia sentir. Ao longe um imenso clarão da altura de um terceiro andar, como se fosse uma bola de fogo a iluminar o céu, nos fazia crer que se tratava de um ataque com uma arma até então desconhecida para nós. Pela primeira vez sentia na pele o que era um ataque de mísseis, e o grau de destruição que poderia provocar, quando no dia seguinte fizemos o reconhecimento na área em que tinham caído, num raio de 50 metros nada se aproveitava.
Á falta de melhor abrigo, deitei-me debaixo do atrelado do hospital de campanha, olhando na direção das explosões, que felizmente ocorreram a alguns quilômetros dali. Aqueles bichos rasgando o ar era coisa nova por aqueles paragens,e os erros de cálculo ainda eram grandes, muito embora viessem com destino ao nosso acampamento, felizmente, não chegaram a atingir seu objetivo. Deitado no chão, a cada estrondo a terra tremia, o que fazia dançar o meu corpo por breves instantes, até que tudo serenou. Foram seis os mísseis, que alegraram o fim daquela tarde, como que a dar as boas vindas á noite, nos deixando em claro até á madrugada do dia seguinte, por medo da dose ser repetida, e sermos apanhados desprevenidos.
Na guerra os piores momentos são sempre aqueles em que ela não se faz sentir.
Foi a minha festa de anos, sem bolo, nem doces, e com seis velas, que nunca tinha visto, que não foi regada com vinho do Porto, mas que felizmente também não foi banhada com sangue. O relógio de pulso, oferecido pelo o meu pai dias antes de partir para África, talvez para não me esquecer de um dia regressar a casa, parou naquele exato momento, e não mais deu ares de sua graça. Até hoje não sei o que deu naquele imbecil, mas também naquele buraco para que serviria, onde não existia tempo, nem noite e dia para conhecer a morte, que a todo o momento nos atormentava. Felizmente, quem parou foi o relógio, que não eu. Do mal, o menos.
O curioso é que ainda hoje não uso relógio de pulso.

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