O general
Poucos conseguem ser amados pela ostentação das estrelas que trazem ao peito, quando existe a necessidade de trazer sempre á mão, um bengalim, nome dado a uma vara rígida de couro entrançado, daquelas usadas em cavalaria, cuja finalidade é açoitar os cavalos para que sejam obedecidos, como símbolo de um poder, que lhes parece fugir a qualquer momento.
Hoje a varinha mágica, foi substituída pela língua afiada, que sem ninguém lhes perguntar nada, despejam nas palavras toda a sua violência, que é provocada pelo o mesmo vírus de onipotência, e de um saber ignorante, que pensa através de um outro, por incapacidade de pensar por si mesmo.
General e governador dos tempos da guerra colonial portuguesa em África, substituto do general demissionário, fez-se presente ás tropas sitiadas na mata, julgando tratar-se de animais, que não de pessoas, tende a exercer a repressão por intermédio de um outro, neste caso Estado, que por falta de alternativas deixava o sangue escorrer pela entranhas da carne alheia.
Brancos, negros e mestiços, foram as suas vítimas, que sem dó nem piedade, os empurraram para uma guerra que não desejavam, em nome de uma soberania, de uma santa ignorância, que nem as estrelas conseguiam ocultar.
Repetidores de desejos alheios, puros imitadores, dizendo ser adultos, não deixaram de ser crianças, que tomam para si as dores de um estadista, de um filósofo, ou da polícia política, não conseguem escapar ao persecutório, vasculhando a vida alheia, transformando a verdade em mentira, recorrendo ao velho, e ultrapassado método da tortura, e da censura, cujo único objetivo é a evidencia do recalque.
Evocam frases célebres, como se fosse a letra de uma música universal, que apresenta um só sentido, que é sempre exibida, mesmo fora do contexto, que tem em vista perpetuar a todo o custo o poder.
É o saber de um outro, que ao ser evocado, lhe confere o saber, como uma verdade absoluta incorporada, por incapacidade de pensar por si mesmo, não percebendo que é escravo de um pensamento, e modo de estar na vida, que se fez corpo, no seu próprio corpo.
É o perfeito incesto mental, que a maioria por medo da punição não ousa sequer afrontar, o que aliás estaria condenado ao fracasso, dada a diferença de potencial das forças em presença, e que seria também pouco inteligente persistir nessa luta insana.
A suposta ação revolucionária não seria mais, que uma reação a um poder instituído, sendo um fenómeno dado á relação do senhor e do escravo, gerador de ressentimentos, em que a inteligência humana fica completamente subjugada aos instinto do animal, que existe na interioridade de cada um de nós.
Aqueles que falam em humanismo tentando subjugar os outros á sua vontade de poder, vulgarmente designada por verdade, baralham as palavras, e as idéias aos mais desatentos.
Desafiam o saber, através do brilho de suas estrelas, passam o lustre a todo o instante, as colocam num lugar bem visível, cuja intenção é serem observadas, para vir á lembrança a punição, fazendo dos homens mudos e dependentes, os acorrentando ás grades de uma prisão mental.
É o cardápio de quem não tem mais nada para oferecer aos outros, e a si mesmo
O caminho da liberdade não é feito de atalhos, pelo o contrário é um penoso caminho, por isso os perversos, manipuladores, e aqueles que julgam ter poder, o preferem, basta para tanto encostarem-se ao poder instituído, e deixarem levar-se pelos ventos de ocasião.
Os becos mais escuros impõe medo ao ser humano, as trevas sempre incomoda quem não consegue enxergar a luz, porque iluminados por outros, na escuridão perdem a noção do espaço, e de si mesmo, em que o medo os imobiliza, a que só a virulência das palavras, que não a violência física, pode garantir uma sensação de poder, e de sentido de vida, muito embora falsa.
Limpar o terreno das minas inimigas, pode garantir a caminhada, contudo passa a ser o jogo do gato e do rato, em que se retiram umas, e são colocadas outras, nessa luta infernal pelo o território, que é uma característica animal, que não abona em nada a inteligência superior humana.
A escolha para quem deseja caminhar em liberdade, é por um terreno limpo, onde não exista aquele que deseja a guerra, nem o outro que a possa alimentar.
Quem é eeeesse ?
Perguntou o general, fazendo movimentos nervosos e insistentes com sua varinha mágica, apontando na direção de um africano, que se encontrava a meu lado, em que era bem evidente na manifestação de sua postura o desprezo por tal criatura.
Existia uma tentativa de manipulação velada, e desafiadora na forma como fez a pergunta, não por aquilo que disse, mas por aquilo que não disse, e deu a entender por gestos, e o prolongar da interrogação.
Convidou-me desse modo a entrar na (des) humanidade de seus preconceitos, convicto da sua superioridade racial, que também existe entre brancos, desta feita chamada de classe social, que uma vez despido de sua farda e despojada das estrelas, talvez encontrássemos a criança aterrorizada, por não estar coberta pela manta do poder, que lhe confere uma sensação de segurança.
Não sei se teria razão alguma para proceder assim, quais as suas idéias acerca das coisas e do mundo, nem sequer nisso estaria interessado, apenas as palavras ¨ malditas ¨ cheirando a desprezo despertaram a minha atenção.
Eeeesse, meu general, é um soldado das milícias africanas
Apontei eu com o dedo, repetindo o mesmo gesto, que fizera antes com a varinha mágica, dirigindo-se a um outro seu semelhante, mas o sentindo como inferior.
O general percebeu muito bem meu gesto, o poder pode ser burro, mas não é estúpido, espreitando sempre uma palavra mais hostil, ou entendida como tal, para cair em cima de sua vítima.
Desejava que lhe desse a prova porque ali se encontrava aquela criatura, como se fosse intruso, ou uma alma estranha, como coisa / objeto, que estaria a mais naquele cenário.
Por falta da prova os homens mataram Cristo, o chamando de impostor, dado que não exibiu o diploma divino, ignorando se na realidade ele existia, ou se era investido de uma graça espiritual, assim os ignorantes o mataram, e fizeram dele uma figura sagrada.
Com sua atitude colheram o fruto não desejado, que até hoje perdura, e já lã vão mais de dois mil anos, em que o sacrifício fez dele um ser humano respeitado.
Perante a dúvida de ser ou não ser, nada melhor que acabar com a sua raça, antes que possa provar que é detentor de mais saber, muito embora não possa exibir as estrelas, e a dita varinha mágica.
Desde aqueles tempos mais longínquos, não obstante a criação do perfume francês, do terno italiano, da publicidade, do computador e da internet, que transmite uma sensação de conforto, e de mais saber, as relações humanas ficaram estagnadas no primitivo, devido a um psiquismo atrofiado, proveniente de idealismos, que provocam a obsessão mental, e as constantes guerras.
Só que as estrelas também brilham nos olhos de todos aqueles que sentem a ofensa, em que a afetação, ao contrário do que julgam alguns sábios ilustres que sobem ao palanque, possui o condão de unir os homens á volta da fogueira, procurando o calor que os possa manter vivos.
Existem os homens que procuram o afeto entre os ofendidos, afetados que foram, tal como eles, na alma por outros seres humanos, que inexoravelmente derrotam os fortes, mesmo que os julguem fracos.
Cristo morreu sozinho, não quis a parceria dos fracos, nem dos fortes, seguindo seu próprio destino, como ser autónomo, não evocou na hora de sua morte o diploma divino, que o pudesse salvar da aflição, emergindo da agonia, as seguintes palavras :
- Perdoai-lhes Senhor, que não sabem o que fazem.
Não rogou pragas, não insultou, não foi virulento, nem evocou a sua condição de filho do mais alto poder, que lhe fora conferido, nem lamentou a sua sorte, porque sabia bem do que era capaz o ser humano, devido a seus ressentimentos.
De então para cá, pouco ou nada mudou.
O africano referenciado anteriormente estava a aprender os primeiros socorros, que lhe permitisse em caso de emergência acorrer a um companheiro ferido.
No mini hospital de campanha instalado numa tabanca feita de barro amassado com palha e telhado de chapa de zinco no meio da mata africana, existia um esforço de poupar vidas das garras da morte, que se fazia anunciar todos os dias ao cair da noite, ou nas sucessivas caminhadas cortando o capim.
Uns, através das palavras e de suas atitudes, estão possuídos pelo o poder divino, ou demoníaco da destruição, por julgarem ser Deus, tentam obrigar os outros a enxergar, o que só eles parecem ver, outros tentam apaziguar a dor e sofrimento alheio, através do seu conhecimento, em que existe a partilha do saber.
Se a indignação tomasse conta daquele ser humano africano, e alguma palavra fosse ouvida, que pudesse ser entendida como afronta, era certo e sabido, que teria de pagar pela ousadia de sua rebeldia.
Mas não, manteve-se sereno, tranquilo, sem proferir palavra alguma.
Não consegui ler seu pensamento, porque isso nos é vedado, e ainda bem, dado que o simples desejo para alguns, já é transgressão, o que levaria decerto a uma repressão mais violenta e constante.
Informei o General do porquê da sua presença.
Não satisfeito, perguntou pela capacidade de aprendizagem daquela figura estranha, e de bom porte físico, fardado a rigor.
Ele já sabe dar injeções ?
Já sim senhor, meu general.
Perguntas burras, de quem julga o outro burro, que tende a encobrir o complexo de superioridade, que no fim de contas, só um ser humano, que sente ser inferior pode possuir.
O general também fora traído por ressentimentos.
Finalmente, olhando nos meus olhos, perguntou:
E você, como está ?
Meu general, estou farto disto.
Num repente, e em silêncio, sem pronunciar uma palavra, deu meia volta, e saiu pela porta dos fundos tomando o rumo do hélio estacionado para o conduzir de novo ao gabinete do ar condicionado, dos seus aposentos em Bissau.
Passados alguns meses a guerra acabou, através de um movimento ¨ revolucionário¨ das forças armadas no dia 25 de Abril de 1974.
Tínhamos acabado de sucumbir vergados ao peso das nossas ambições de poder, corroídos por dentro por um mal estar interior, que se tornou insustentável.
Nenhum de nós resiste ao peso da nossa própria ignorância.
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
Guerra colonial - 50 Anos
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