Retalhos de uma vida - Livro do autor do blog

http://www.bookess.com/read/7054-livro-retalhos-de-uma-vida-/ ISBN - 978-85-8045-076-7 Definir um livro pela resenha é um fato que só é possível quando o livro realmente apresenta um conteúdo impar, instigante, sensível, inteligente, técnico e ao mesmo tempo de fácil entendimento....e Retalhos de uma vida, sem sombra de dúvidas é um livro assim. Parabens, o livro está sendo um sucesso. Ricardo Ribeiro - psicanalista

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Guerra e sexo I

Continuação

O capitão, muito embora temente a Deus, temia muito mais pela sua vida, sentia-se impotente para acabar com aquela festa, não fosse o inimigo atacar enquanto os soldados se divertiam nas carnes negras de uma prostituta.
Mas não, nesse dia não havia guerra, não sei se a dita salvadora das almas aflitas já tinha tudo combinado, o que é fato é que naqueles dias reinava a paz na terra.
O capitão mandava então um homem da sua confiança colocar ordem na fila, para que não houvesse confusão, não fosse algum espertinho querer passar á frente, o que era certo e sabido que dava pancadaria.
Nessa altura, dei por mim a pensar, quanto diferente seria dos demais, que só servia mesmo para curar as doenças venéreas, que aqueles bravos, apesar de lhes ser distribuído a camisinha não queriam nem saber de as colocar.
O quanto éramos diferentes ?
Foi através desses e outros acontecimentos, que me dei conta que algo deveria existir na interioridade de cada um de nós, que nos fazia ser diferentes. Eles, transbordando de alegria, porque finalmente podiam possuir uma mulher, eu de plantão para lhes curar as maleitas, do mesmo modo sentia-me feliz, mas não tão alegre.
O bichinho da psicanálise começou aos poucos a tomar conta de mim.
Como resultado daquele mar de leite derramado, proveniente de uns e outros, filhos de outra gente e de muita gente, sobrava sempre algum vírus maligno para dependurar o animal.
De nada valia os aborrecer com minhas palavras julgadoras, porque chateados estavam eles por ver o seu menino de estimação todo derreado, vergado ao peso de uma doença qualquer.
Vai de penicilina na bunda e muita higiene, para que pudesse estar melhorzinho para a próxima batalha.
Nos dias seguintes era a maior galhofa, até parece que já não tinha a menor importância levar um tiro e morrer, tal era a risada e a disposição daquela gente, que baixava a guarda, em que o medo parecia ter sido superado por aquela picadinha de inseto.
Contavam para os companheiros as vezes que tinham retornado á fila, porque insaciáveis
e poderosos, não deviam negar mais uma virada, talvez por medo que os outros o considerassem frouxo, ou apenas glutões, que nunca parece haver comida suficiente que lhes encha a barriga.
Outros, Judeus certamente, combinavam, que enquanto um se estivesse a servir, o outro tentava roubar as galinhas e os porquinhos, que ela sempre levava atrás de si, não sei se para vender, se para matar e comer.
Nessa altura acabava a festa, ela levantava-se furiosa por ouvir o grunhir dos porquitos e o cacarejar das galinhas aflitas, e instalava-se a maior confusão, dado que aqueles que esperavam na fila, ficavam com as cuecas na mão, sem poder aliviar-se, se revoltavam contra tamanha ofensa, que ainda por cima tinham que ouvir o capitão, a quem ela se ia queixar.
O capitão que tinha que colocar ordem na capoeira, sentia-se impotente, desatava aos berros, ficava nervoso, tentava proibir a dita senhora de vir no próximo mês, e tudo ficava como antes, e as cenas voltavam a repetir-se.
Ela vinha ao cheiro do patacäo, assim nós chamávamos aos guinéus, que não valia coisa alguma para nós, mas que para ela talvez fosse importante.
Os soldados que recebiam o salário e não tinham onde o gastar, porque apesar da nossa insistência os nativos recusavam-se a vender fosse o que fosse, só lhes servia mesmo para tirar a barriga da miséria, e sentir alguns momentos de volúpia e êxtase.
Lembrei-me na altura dos meus amigos que deixei em Portugal, que apesar de não estarem num cenário de guerra, a comer e a beber do bom e do melhor, que o pior para eles, seria o melhor para nós, apresentavam mais ou menos o mesmo tipo de conversas.
Eles, os fanfarrões de plantão, que mais pareciam economistas de oficio, que somavam as que não davam, aquelas que supostamente tinham dado, para que o resultado final fosse de molde a causar a admiração geral.
Nunca entendi muito bem, porque o diziam numa roda de amigos, todos homens, decerto não seria para conquistar nenhum de nós, cuja finalidade seria o levar ao sacrifício.
Não haverá aqui um pouco do pensamento homossexual ? Pensava eu.
Ou seria para nos afastar das mulheres, que por se considerarem mais poderosos e aptos, julgando também que os considerávamos, tivessem o caminho livre para aproximar-se delas ?
O que estaria por detrás daquela fanfarronice ?
Talvez a certeza de uma dúvida qualquer, que não conseguia perceber ?
Instigavam tantas vezes para que respondesse ao chamado, querendo saber da minha vida sexual, quantas vezes transava por noite e com quem.
Confesso que a princípio ficava embaraçado, mas pensei para comigo, se não for eu, sou engolido por estes tubarões, que andam sempre á espreita de uma boa ocasião para se evidenciarem.
Quando perguntavam qualquer coisa a respeito, depois de evidenciarem toda a sua potência, comecei a responder que não tinha nada para contar, porque não era mentiroso.
Caia todo o mundo na risada, e mudávamos de assunto.

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